|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ALCIR PÉCORA
O autor
Machado vence o derby por uma
cabeça. O estilo elegante, o
raciocínio fino, o comentário
irônico, o humor ático, o
ceticismo engenhoso, a
habilidade de fazer e desfazer o
romanesco sem perder o fio da
meada, o moralismo demolidor
que associa cada ponto de vista
ao um jogo de enganos: tudo isso
junto e funcionando bem torna
Machado imbatível em
competições com escritores
brasileiros modernos.
Rosa, campeão da
experimentação lingüística, por
vezes permite que a
exuberância da linguagem
mascare um ponto de vista,
senão populista, bem próximo ao
senso comum: a ciência não
explica tudo, o doutor não sabe
que não sabe, a mitologia
popular é sábia, o que acaba
resultando em sentenciosidades
do tipo "viver é muito perigoso",
"o mundo é misterioso" etc.
Depois, em dias nublados,
mareia um pouco o rosês.
A obra
É quase aleatório escolher entre
"Memórias Póstumas de Brás
Cubas", "Quincas Borba" e "Dom
Casmurro".
Incluiria também nesse grupo
"Esaú e Jacó": uma ficção tão
perfeita que até finge melhor
que as outras ter como narrador
o "verdadeiro Machado". Mas
voto em "O Alienista", que reduz
ao essencial o problema
machadiano de minar a
autoridade do narrador em dizer
o real e, ao mesmo tempo,
impedir que se diga que o real é
relativo.
Todos se enganam, mas o
engano é real. Se por "obra" se
deve entender livro, e não texto
isolado, aposto em "Dom
Casmurro", não por ser melhor
que os outros citados, mas por
ter conseguido colocar seus
leitores e críticos, eles próprios,
num desesperado derby -traiu?,
não traiu?-, que, ao contrário do
proposto pelo Mais!, não admite
fim, nem descanso. Os
apostadores morrerão antes do
fim do páreo.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da
Universidade Estadual de Campinas (SP) e autor
de "Máquina de Gêneros" (Edusp).
Texto Anterior: Antonio Candido Próximo Texto: Manoel Carlos Índice
|