|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MILTON HATOUM
O autor
Os dois são grandes escritores.
Ambos recorreram a uma
tradição literária do Brasil e do
exterior e fizeram dessa
tradição uma invenção. A meu
ver -e digo isto sem nenhum
ranço nacionalista-, Machado
foi o maior escritor latino-americano do século 19, Rosa o
mais inventivo do século 20
nesta América. Machado
depurou o que havia de mais
consistente na obra dos seus
antecessores brasileiros.
Já não escrevia como os
ficcionistas portugueses. Nos
contos e romances, a crítica
social e política não é menos
relevante do que a loucura. Mito
e história parecem estar no
centro da obra de Guimarães
Rosa. O sertão, que está em toda
parte, é metáfora de um mundo
construído por uma linguagem
de fato inovadora. Rosa explorou
como poucos a geografia de um
lugar.
A indagação metafísica e o
embate entre o bem e o mal não
são menos importantes do que a
natureza do centro-norte de
Minas. Os contos das "Primeiras
Estórias" são um desafio para o
leitor, mas foram muito bem
analisados por Ana Paula
Pacheco no ensaio "Lugar do
Mito" [ed. Nankin], um livro que
lançou luz nessas narrativas
dificílimas.
A obra
De Machado, vários contos
("A Causa Secreta", "Evolução",
"Missa do Galo", "Uns Braços",
"O Enfermeiro", "Um Homem
Célebre", "Pai contra Mãe"...).
Aliás, gosto de todos os contos
publicados a partir de "A
Parasita Azul" [1872], que me
parece um marco na prosa
machadiana.
Ele foi um mestre nesse gênero
literário, pois soube juntar
concisão e tensão nos temas de
suas narrativas breves. Trouxe a
metafísica e outras questões
filosóficas para o chão nosso de
cada dia, em que as tensões e
conflitos dos personagens são
às vezes inseparáveis da loucura
e da alucinação.
Nas poucas páginas d'"O
Espelho" convergem
especulação filosófica, poder e
prestígio social numa sociedade
escravocrata. De alguma
maneira, há um diálogo temático
e formal entre os contos e os
romances. Destes, o mais
ousado talvez seja "Memórias
Póstumas de Brás Cubas".
Já comparei o meu estilo ao
andar dos ébrios, escreve o
narrador das "Memórias
Póstumas". Isso resume o estilo
machadiano: andar dos ébrios,
mas com a lucidez de um
narrador culto e terrivelmente
irônico.
De Guimarães Rosa, gosto de
tudo: de "Sagarana" a "Grande
Sertão: Veredas". Talvez seja
uma admiração exagerada e
incondicional, a mesma que
sinto pela obra de Flaubert,
Faulkner, Graciliano Ramos...
MILTON HATOUM é escritor, autor de "Órfãos
do Eldorado" e "Dois Irmãos" (Cia. das Letras).
Texto Anterior: Manoel Carlos Próximo Texto: João Adolfo Hansen Índice
|