|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ponto de Fuga
O pintor que era corintiano
Jorge Coli
especial para a Folha
Rebolo foi um craque do Corinthians. Fez parte do time que conquistou, em 1922, o título de "Campeão do Centenário" (da Independência, entende-se). Desenhou o emblema do clube, com o célebre timão. Mas foi, sobretudo, um pintor de qualidades excepcionais. Uma retrospectiva muito cuidada, no MAM de São
Paulo, celebra os cem anos de seu nascimento. Ele teve, em grande parte, formação autodidata, mas isso não transparece em suas telas.
Rebolo é um pintor certeiro. Não demonstra hesitações bisonhas ou desequilíbrios. Toda sua arte se assenta numa disposição justa e balanceada dos volumes; num sentido aéreo que atenua e irmana as cores, sem
afetar a solidez da composição; num domínio seguro do
espaço, onde se respondem as formas geométricas e as
massas coloridas. Não é, de modo nenhum, um ingênuo. Também não possui o sentimento confessional de
um lírico.
Está ainda por ser feito um estudo aprofundado e satisfatório sobre a arte do grupo Santa Helena, do qual
Rebolo foi um dos fundadores. Nele, a maior parte dos
sobrenomes denuncia origens itálicas, embora Francisco Rebolo Gonsales tivesse ascendência espanhola. Esse
corintiano certamente não se importava em conviver
com palmeirenses.
Sua arte, como a de outros do Grupo Santa Helena, remete para as práticas pictóricas de um Casorati, Sironi,
Tosi, Donghi, De Pisis ou Morandi, isto é, para uma certa arte italiana do século 20 avessa aos radicalismos modernos das correntes internacionais.
Campo - Na Itália, a melhor parte da pintura produzida
entre as duas guerras manteve-se fiel às tradições da
paisagem, do nu, da natureza morta, dos interiores.
Conferiu sentido a eles, num século 20 que tendia a afastar-se desses gêneros. Interrogou o passado, voltou-se
para as ordenações mágicas do "quattrocento" e para os
arranjos sem falha das disposições clássicas. Os quadros
de Rebolo, expostos no MAM de São Paulo, irmanam-se, de modo claro, com a arte dos grandes mestres peninsulares de seu tempo. "Futebol", uma obra-prima de
1936, é muito reveladora. No primeiro plano, um drible
mostra dois jogadores. São monumentais, porque dominam a superfície da tela e porque foram recortados
com firmeza pelo contorno.
O pintor não tenta oferecer aquilo que seus meios não
dominam: o movimento. As duas figuras impõem-se,
sólidas, na melhor tradição do "disegno", nos gestos
misteriosamente fixados, evocando aquelas que Piero
della Francesca criou em Arezzo. Nesse clima de século
15, as arquibancadas, ao fundo, aparecem em espaço
mais simbólico que perspectivo. As paisagens, naturezas-mortas, nus e retratos de Rebolo demonstram uma
"objetividade sensível": ordenação precisa das formas,
vibrando no ar. A primeira coisa a fazer, para compreendê-los, é perguntar: de que maneira os volumes se dispõem para equilibrar a imagem?
Área - A possível afinidade de Rebolo com pintores italianos do século 20 reforçaria, talvez, o aspecto "paulistano" de sua arte. Mas há também um clima. Não que Rebolo se interesse pela agitação da metrópole. Ao contrário, prefere os subúrbios, procurando aspectos rurais, ainda tão visíveis na paulicéia de 40 ou 60 anos atrás. Quando retrata o centro da cidade, é com um esvaziamento calmo e pacato. Além disso, o ar embaçado de São Paulo como que banha suas telas, silenciando ainda mais as cores discretas.
Tempo - Os anos de 1930 e 40, iniciais para a arte de Rebolo, significaram também um apogeu. Depois ele buscou dar uma feição mais "moderna" e simplificada a seus quadros. Essas novidades comprovam sua inflexão
íntima para a geometria que estrutura as formas no espaço e para a fina percepção da atmosfera.
Rebolo nunca pintou com truques, com sinais fáceis,
exteriores, que funcionam como marca evidente, como
fizeram tantos artistas, mesmo alguns muito célebres.
Se seus princípios são constantes, eles enfrentam novos
problemas em cada obra. São quadros que se resolvem
de maneira singular e sincera, não se submetendo a formas repetidas, renovando-se no prazer silencioso de pintar.
Texto Anterior: + brasil 503 d.C.: O retorno do mesmo Próximo Texto: José Simão: A coluna de José Simão passa a ser publicada no caderno "Eleições 2002". Índice
|