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A HIstÓRiA DE AriADNe, POR eLA MesMA
por Louis Begley
Ela sabia a história de sua família, o futuro da
família e, nela, o seu próprio futuro. Seu pai, o rei Minos, lhe havia contado. Além disso, ultimamente, rápidas visões desse futuro haviam surgido, em lampejos, ante os seus olhos. Sonhos ou revelações? Não tinha certeza. Este saber a deixava triste, envaidecida e envergonhada. Sua irmã Fedra e ela, ambas suicidas, enforcadas pelas próprias mãos! O Minotauro, seu
meio-irmão, assassinado! A nau ateniense, com Teseu a
bordo, já estava a caminho, vindo de Creta. Saber que a
desgraça se desencadearia muito em breve a deixava
aflita. Numa tarde dourada, ela se dirigiu à corte onde
sabia que encontraria o pai, recostado em seu coxim de
ouro e prata, ajoelhou-se a seu lado, chorou e lhe revelou seus temores. Sabia que o pai a consolaria. O rei ouviu com atenção, afagou o cabelo da filha e disse: Coragem, minha Ariadne. Aquilo que há de vir está sempre
diante dos olhos de Zeus e não pode mudar; para nós,
que somos seus filhos, ele só revela a porção do futuro
cuja visão conseguimos suportar; mas nem mesmo ele
pode subjugar as leis da Necessidade. O passado vive na
mente dos mortais. Aquilo que há de acontecer não é o
mesmo que eles irão conhecer ou lembrar.
Por que é assim, pai? -perguntou Ariadne. Como
aquilo que aconteceu pode ser desfeito? Minha filha
adorada, respondeu Minos, o passado é apenas o que os
poetas nos contam. Mentirosos natos, todos eles, como
os que cantam em troca de comida na mesa do meu
banquete. Inteligência e memória degeneradas; para cada fato ocorrido, eles inventarão, a cada geração, outros
dez, que jamais aconteceram, e cada geração acrescentará suas inumeráveis invenções. Muito depois, homens ainda mais inconsequentes, chamados historiadores, continuarão a reescrever o passado, até que fábulas ocupem o seu lugar.
Ariadne refletiu bastante. Pai, disse ela, o senhor mostrou-me o caminho. Para nós, mortais, o futuro é breve;
o passado pode ser eterno. A fim de salvar minha honra,
criarei a minha própria história dos infortúnios que estão para se abater sobre mim. Eis aqui como a história
há de ser contada: eu, Ariadne, sabia que a nau ateniense de velas negras traria, mais uma vez, para o senhor,
meu pai, o tributo anual de Atenas -sete rapazes e sete
virgens de grande beleza- destinados a saciar a fome
de carne humana e aplacar a sede de sangue humano do
meu meio-irmão, o Minotauro. Eu também sabia que o
herói Teseu, filho do rei de Atenas, estava entre eles e
que jurara matar o Minotauro. Moviam-no a vingança e
a aversão à natureza do Minotauro, em parte humano e
em parte animal, e à união da qual foi ele o fruto, quando a rainha Pasifae, minha mãe, enlouquecida por Posêidon, deixou que o touro do deus do mar a cobrisse.
Escondida dentro de uma vaca de madeira que Dédalo
fabricou para ela, Pasifae abaixou-se e entregou-se ao
touro. Mais tarde, o senhor mandou Dédalo construir o
Labirinto onde, envergonhado, o senhor escondeu o
Minotauro. E eu conhecia a profecia que haviam feito a
Teseu: que eu haveria de me apaixonar por ele com tanto ardor que trairia o meu país e o meu meio-irmão. Teseu, com a minha ajuda, entraria no labirinto, apanharia o Minotauro de surpresa e mataria o monstro com
corpo de touro e um belo rosto de homem, usando uma
espada que eu, às escondidas, pusera em suas mãos. Depois, orientado por mim e com a ajuda de um novelo de
linha que eu lhe dera, Teseu escaparia do labirinto e embarcaria de volta para a sua terra, ao lado de seus companheiros e tendo a mim por concubina. Nada disso vai
acontecer! Eu, pobre de mim, me entregarei a Teseu.
Mas, a fim de me humilhar e relembrar a vergonha do
touro e de Pasifae, o louco vai me possuir como fazem
os cães. O insulto me deixará furiosa e reanimará meu
amor pelo Minotauro, como homem e como touro. O
senhor sabe que respeito, por igual, todos os seres vivos.
Pelo sexo, porém, me entrego ao touro em qualquer
momento. Prevenido por mim, o Minotauro vai devorar Teseu e os outros treze atenienses. Depois, urrando
feliz, com uma guirlanda de rosas em volta do pescoço,
ele pedirá a minha mão, que o senhor, de bom grado,
cederá. E assim, depois que Zeus tiver chamado o senhor para o lado dele, o Minotauro e eu e os nossos filhos, até a décima geração, reinaremos na rica e fértil Atenas.
Louis Begley é escritor polonês radicado nos Estados Unidos. É autor
de, entre outros, "Despedida em Veneza" e "Schmidt Libertado" (Cia.
das Letras).
Tradução de Rubens Figueiredo.
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