|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AMiGOS E INiMIGoS (OU NoVA QUADRiLHA)
por Bernardo Carvalho
Comunicado do secretário de Justiça aos jornalistas: "Depois de 11 horas de terror, a rebelião
já está sob controle. As forças da ordem conseguiram
romper o cerco e entrar na penitenciária. Os presos entregaram as armas e os reféns foram libertados. No
cômputo geral, contamos nove corpos, todos de criminosos de quadrilhas rivais. Mas até agora só conseguimos identificar oito mortos. O Zequinha do Morro da
Lava foi esfaqueado e queimado. O corpo, apesar de
carbonizado e irreconhecível, pôde ser identificado por
uma simples operação lógica. Cada morto tem o seu assassino. O Zequinha era inimigo do Jonas da Baleia, que
morreu estrangulado pelo Mário Coca-Cola, que era
inimigo do Robertinho Maneiro, que morreu com sete
tiros, porque era inimigo do Perival Pistola, o Pepê. O
Mário Coca-Cola, que vingou o Zequinha do Morro da
Lava, estrangulando o Jonas da Baleia, morreu esfaqueado pelas mãos do Robertinho Maneiro. O Pepê
acabou seus dias enforcado pelo Robeval Quirino, o
Branco, que foi vingado pelo Jesus Magro, que era da
quadrilha do Pepê. O Jesus Magro foi decapitado e crucificado sem cabeça pelo Mané Borba, que era comparsa do Robeval Quirino e foi encontrado com um único
tiro na testa. Os sobreviventes se renderam graças à intervenção dos bispos da Igreja da Simetria Celestial,
com a qual o bando do Santinho, provável assassino do
Mané Borba, fechou um acordo entre amigos. O Peru
da Mata é o único que continua desaparecido. Não descartamos a possibilidade de que seja o nono corpo, ainda sem identificação, mas os peritos se recusam a fazer
ilações precipitadas, já que o Peru da Mata não tinha
nem amigos nem inimigos".
Bernardo Carvalho é escritor e colunista da Folha. É autor de "Nove
Noites" e "As Iniciais" (Cia. das Letras), entre outros livros.
Texto Anterior: O pintassilgo de Leonardo da Vinci Próximo Texto: O homem sem inimigos Índice
|