São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003 |
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+ cultura O escritor Paul Tabet fala sobre o romance "Elissa Rhaís", no qual narra como seu pai compactuou com uma famosa fraude literária O JARDIM SECRETO DA ESCRITA
Betty Milan
Paul Tabet é doutor em filosofia. Foi adido cultural da França no Marrocos nos anos 70 e na Itália
nos anos 80. Desde 1990, dirige em Paris a Fundação Beaumarchais, que descobre e auxilia -tanto material quanto artisticamente- novos autores de
teatro, cinema, ópera, televisão, rádio e circo.
Na primeira parte da sua questão, você fala exatamente como Leila. Porque, quando ela quis convencer meu pai a aceitar o pseudônimo, ela disse que Elissa era ela e Rhaís era ele. Na intimidade dos dois isso era verdade. Só que o nome Elissa Rhaís, para o público, era um nome de mulher, que encobria o homem. Ora, a gente escreve para ser publicado e para ser lido. Agora, concordo que ela foi co-autora no início e inspiradora depois. Tanto no plano literário quanto no plano psicológico. Porque os primeiros romances são a transcrição literal das histórias que Leila contava. Isso posto, será que o autor é o sujeito que conta a história ou o que a escreve? O que reinventa a história escrevendo. Sim. Por outro lado, o papel que Leila desempenhou na vida do meu pai foi decisivo, obrigando-o a escrever, encarcerando-o para fazer isso. Do ponto de vista da literatura, foi positivo. O seu livro me fez pensar na diferença entre a literatura ocidental e a oriental. No Ocidente, ou o autor é um escritor ou não existe. No Oriente, já não é assim. O autor não precisa escrever, ele pode simplesmente contar. Leila talvez recusasse essa diferença e, por isso, se considerasse uma escritora. No livro, Leila se serve da literatura para se vingar do fato de ter sido escravizada, humilhada... A literatura dá a ela a ocasião de existir, de ter um papel social. Mas eu acho interessante pensar na diferença entre Ocidente e Oriente para explicar a história de Leila e Raul. A Biblioteca de Alexandria tinha tantos textos quanto contadores de história, autores de literatura oral, e o imaginário oriental está muito presente no nosso. Por isso considero que Leila não foi uma impostora. Pertencia a uma cultura que a autorizava a desejar o reconhecimento como autora e ela o desejou sem nenhuma culpa. A ponto de se apresentar como uma grande autora nos salões literários parisienses para os quais era convidada. Apesar dos erros de francês que Leila cometia, ela não tinha inibição alguma, fazia longos discursos. Falava como se fosse um Mauriac... Você diz que Leila escravizou Raul durante 20 anos. Para mim, ela fez isso porque, do contrário, não poderia transmitir para as outras gerações de mulheres a experiência terrível que viveu no harém. Vejo nela uma figura liberadora e não estou certa de que tenha escravizado Raul. A menos que se trate de escravidão voluntária. Leila é, sem dúvida nenhuma, uma figura positiva. Recebeu cartas das representantes dos primeiros movimentos feministas. Por ter sido considerada um símbolo da mulher que conquistou uma sociedade de homens. Tenho as respostas que ela enviava. São cartas fundadoras do feminismo. Só que as cartas eram escritas por um homem, meu pai. Isso irritou as feministas. Não vejo o porquê, aliás. A história mostra que não são necessariamente os elementos de um grupo que defendem melhor o grupo. Muitas revoluções de esquerda foram feitas por burgueses. Gostaria que você falasse da relação entre a arte e a liberdade e, em particular, da relação entre a escrita e a liberdade. A gente quando escreve é determinado pelo inconsciente. Há coisas que acontecem na escrita sobre as quais não há como ter controle, coisas que desembarcam no papel e surpreendem. Quando reli "Elissa Rhaís", descobri que era uma metáfora da criação. O isolamento é um dos lugares privilegiados da criação, e a história literária mostra claramente a diferença entre as obras engendradas na solidão e as obras mundanas. Meu pai foi prisioneiro de Leila e soube se valer disso para fazer uma obra. Acredito que o isolamento também é decisivo no amor. Não há nada mais bonito do que o isolamento amoroso. A partir do momento em que os amantes começam a se relacionar com outras pessoas, eles começam a se separar. A concentração é decisiva para que um possa oferecer ao outro o próprio sonho, para que um deixe o outro entrar no jardim secreto do seu imaginário, jardim onde também floresce a obscenidade e a loucura. Quem oferece o sonho corre um grande risco, porém, ao fazer isso, dá ao outro o presente supremo. O imaginário é o nosso tesouro e o baluarte da resistência. Os ditadores sempre souberam disso... Daí a censura. Betty Milan é escritora e psicanalista, autora de "O Papagaio e o Doutor", entre outros. Texto Anterior: ET + cetera Próximo Texto: A saga dos retornados Índice |
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