São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004 |
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EXCLUSIVO E FICTÍCIO Entrevista com o vampiro
DALTON TREVISAN
FALA DE SEU NOVO LIVRO,
"ARARA BÊBADA", DA VIDA
RECLUSA QUE LEVA
EM CURITIBA, DE SEU
MÉTODO DE TRABALHO
E DA POUCA PACIÊNCIA
QUE TEM COM CRÍTICOS
E LEITORES
O vampiro mais famoso do Brasil nasceu em
Curitiba, em 14 de junho de 1925, cidade na
qual vive até hoje. Diplomou-se pela Faculdade de Direito do Paraná e fundou uma das revistas literárias mais importantes da década de 40, a
"Joaquim" (em homenagem a todos os joaquins do
Brasil), recentemente reeditada em edição fac-similar
pela Imprensa Oficial do Paraná. Seus primeiros contos, cujo neo-realismo extrapola o mero registro dos
conflitos sociais, foram editados em folhetos que lembram muito a literatura de cordel. A partir de 1959, com
a publicação das "Novelas Nada Exemplares", a sua
obra passou a ter repercussão nacional. Depois vieram
"Cemitério de Elefantes" (1964), "Morte na Praça"
(1964) e mais de duas dezenas de novos livros, sendo o
mais recente "Arara Bêbada", recém-publicado. Sobre
a sua literatura a opinião é unânime: Dalton Jérson Trevisan é tido hoje, pelos principais críticos, como o grande contista vivo da língua portuguesa.
Como conseguiu publicar seu primeiro livro? Não foi difícil. O livro era muito ruim, por isso achei editor rapidinho. Foi bem antes da criação da "Joaquim". Pouca gente conhece esse livro, "Noites de Insônia". Nessa época eu só escrevia poesia. Foi em 45 ou em 46, não me lembro. Procurei o crítico que eu mais admirava, o Temístocles Linhares. Eu estava angustiado. Queria que ele me dissesse se os poemas valiam alguma coisa. Ele leu e depois mandou o original ao José Olympio. Mandou sem me avisar. Uma noite, eu estava olhando a vitrina de uma livraria e levei o maior susto. O meu livro estava lá. O escritor Jamil Snege, também curitibano, conta nas memórias dele que o sr. passou muito tempo recuperando e destruindo os exemplares dos seus primeiros livros. Besteira. O Turco sempre foi de exagerar as coisas. Cerca de 90% do que ele escreveu nesse livro é invenção. Nunca roubei meus próprios livros das bibliotecas. Muito menos da casa dos amigos, como ele disse. Eu pedia emprestado, isso sim. Não devolvia mais, queimava. Mas não roubava. O sucesso de uma obra depende de quê? De quem? Do acaso. Do acidente. Nunca entendi direito isso. Não basta escrever bem. Não basta a qualidade. O sujeito tem que ter também muita sorte. Como o sr. vê a literatura que está sendo feita hoje? Não vejo, fiquei cego. Gosto dos poetas. Gosto dos poemas do Chico Alvim. Têm tudo a ver comigo. Os novos? Quase não leio. Não me interessam. A grande época da literatura brasileira já vai longe. Já passou. E os autores da sua geração? José J. Veiga, Osman Lins, Rubem Fonseca? Dos três, só o Rubem ainda está vivo e escrevendo. Mas não leio. Desisti. Também desisti de tentar acompanhar a moçadinha que veio depois. Não vale a pena. Recebo muito livro, que deixo de lado. Dou de presente. Ou deixo no sebo dos amigos. Nem sei se devia dizer isso, porque vai ser finalmente publicado. Muita gente vai ficar magoada comigo. Hoje o sexo e a violência têm grande presença na literatura. Graças ao sr. e a Rubem Fonseca. Mas os jovens não entenderam nada. Escrevem pornografia, quando deviam se dedicar ao erotismo. No mundo todo há a grande literatura erótica, que é bela. Nela o sexo é importante. A pornografia não me interessa. Nem a violência gratuita, banal. Não vamos misturar alhos com bugalhos, Machado com Eça de Queiroz. O sr. escreve à máquina ou no computador? Escrevo à mão, depois datilografo. Não tenho e nunca terei computador. Há momentos ideais para escrever? De madrugada. Nunca fui de dormir cedo, gosto do silêncio. Mas também, quando a idéia vem, anoto tudo em papelinhos. Isso acontece quando estou na rua. Ou no vegetariano onde almoço. Ou no supermercado. Meus melhores contos nasceram na fila do banco, tão cheia de joões e marias. O sr. escreve regularmente ou costuma trabalhar por turnos? No início, eu escrevia todos os dias. Escrevia com raiva. Religiosamente. Burocraticamente. Foi assim até "A Polaquinha", meu primeiro e único romance. Depois parei com essa mania. Só escrivão escreve todo dia. Só burocrata escreve com raiva, revolta, indignação. Hoje escrevo quando dá vontade, com ternura. Às vezes fico semanas sem pegar na caneta. É claro que com o passar do tempo vou ficando angustiado. Preocupado. Será que morri? Eu me apalpo, me cheiro. Não, ainda estou vivo. Ponho a cara pra fora da janela, escuto a cidade. Berro: "Estou pronto! Mova-se mundo". Fico atento à gentinha no ponto de ônibus, no bar da esquina. Aí as idéias vêm aos montes. Até me assusto. Fico com os pêlos dos braços arrepiados. A crítica sempre o tratou muito bem. Quando escreve, o sr. se preocupa em não desapontá-la? Quando escrevo, me preocupo com muitas coisas. Mais com a posição das vírgulas e dos pontos do que com a crítica e os leitores. Quando escrevo, eu penso em tudo. A maneira de pensar em tudo é que varia. Você sabe, todos sabem: minhas figurinhas são de carne e osso. Existem de verdade. Estão lá fora, trabalhando, comendo, dormindo. Às vezes sou ameaçado, porque fulano ou beltrano não gostaram de se ver num conto meu. Então fico sem aparecer na praça duas, três semanas. Isso me preocupa. Dos livros que escreveu qual é o seu predileto? "Arara Bêbada". Esse que a Record está lançando. Meu melhor livro é sempre o último que escrevi. Não gosto muito dos primeiros. Se pudesse, mudava tudo neles. Como também detesto reler conto antigo, deixo tudo como está. Sou um revisor compulsivo, mas só até o livro ser publicado. Antes de mandar para a editora, refaço dez, 20 vezes o mesmo conto. Não descanso nunca, é um inferno. Até publico alguns por conta própria. Os famosos caderninhos. Os tais caderninhos. Os cordéis. De papel vagabundo mesmo. Papel de jornal. Mando aos amigos, deixo nas livrarias. Na do Chain, principalmente. Só para testar. Só para ver se os contos funcionam. Como o sr. se vê como escritor. Conseguiria traçar seu auto-retrato? De jeito nenhum. Eu jamais me vejo. Detesto espelhos. Como o sr. se sente dentro da literatura brasileira contemporânea? Bastante isolado. Desconfortável. Não gosto de escritores. São vaidosos, pedantes. As suas intriguinhas de província me aborrecem. Acham que merecem o Nobel. Também não gosto dos leitores. Pelo menos não dos mais fanáticos, dos imbecis que vêm me encher o saco. Querem conversar sobre os meus livros, querem autógrafos, querem escrever teses sobre mim. Odeio os professores de literatura, os críticos. Nelson de Oliveira é escritor, autor de, entre outros, "O Filho do Crucificado" (Ateliê Editorial). Texto Anterior: + o que ler Próximo Texto: + o que ler Índice |
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