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EXCLUSIVO E FICTÍCIO
Professor de reclusão
J.D. SALINGER, O AUTOR DE "O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO", ANUNCIA UMA SURPRESA PARA 2005 E DIZ
QUE TALVEZ NUNCA DEVESSE TER PUBLICADO SEUS TEXTOS
Rodrigo Garcia Lopes
especial para a Folha
A princípio seria uma missão impossível. Afinal,
o homem está recluso desde 1953, quando o sucesso mundial de "O Apanhador no Campo de
Centeio" (1950) o levou para o exílio na casa no
alto de uma colina, em Cornish, no Estado de New
Hampshire. Trata-se do único livro de fato importante
de sua obra e que, vira e mexe, volta a ser "cult", como
seu misterioso autor, J.D. Salinger, 85. Talvez essa nova
onda de interesse se dê, agora, pelo trauma pós-11 de Setembro e a sensação de viver num mundo menos seguro. Ou por termos uma geração de jovens cansados de
guerra e de mentiras. Talvez exista um pouco de Holden
Caulfield (personagem principal do romance) em todo
jovem. Afinal, o protagonista do seu famoso livro era
um adolescente problemático vivendo nos anos hipócritas e caretas do pós-guerra.
O contato com "o maior recluso da literatura americana", eu sabia, requereria um processo lento e delicado. Ele foi feito por meio de uma professora da Universidade de Nova York que trabalha para a agente literária
de Salinger. Minha amiga me preveniu, dizendo que dificilmente ele responderia a meu pedido, mas não custava tentar, já que nos últimos tempos ele andava mais
acessível, pelo menos por e-mail. Arrisquei. Meu e-mail
foi enviado a sua agente, que se encarregou de passá-lo
a Salinger. Dois meses depois, veio o sinal positivo.
No primeiro dos dois rápidos e-mails trocados antes
da entrevista, sempre intermediados pela agente, apresentei-me como escritor e jornalista brasileiro que havia
sido incumbido de tentar uma entrevista com ele, a primeira para o Brasil. Pedi desculpas pela invasão e disse
que tentaria ser o mais breve e direto possível. Argumentei que no Brasil ele possuía uma legião de fãs que
não sabiam de sua histórica animosidade com a imprensa e jornalistas americanos. Disse que respeitava
sua reclusão e que a considerava um ato heróico em
tempos de celebridades.
Salinger escreveu que, por eu ter sido educado e pouco insistente, ele abriria uma exceção. Disse que eu o havia "pego num bom dia" e que responderia a dez perguntas curtas, "desde que não tomassem mais de 20 minutos". Preferiu que eu enviasse cada pergunta e ele fosse respondendo uma a uma. Também deixou claro que
esta seria "a primeira e última entrevista concedida a
um país de língua espanhola" [sic].
Por que a resistência em dar declarações?
Não nasci pra falar em público, e as pessoas não entendem isso. Isso me mata. As pessoas acham que, só
porque escrevi um livro, eu necessariamente tenha
que ser uma pessoa falante ou que isso me qualifique
automaticamente como orador. A verdade é que eu
sou... bem, não quero que se aproximem de mim.
Odeio dar entrevistas, como você sabe, embora esteja abrindo uma exceção para o público brasileiro. A
verdade é que tenho halitose, por isso não quero que
as pessoas cheguem perto de mim. É para o bem delas. Odeio, por exemplo, quando estou fazendo compras no shopping e alguém olha para mim e diz:
"Você não é o J.D. Salinger?". Tenho vontade de fazer uma besteira.
Sim, entendo. Que procedimento o senhor costuma adotar nessas abordagens?
Nenhum. Viro as costas. Outro dia fingi que era surdo-mudo, antes de encarar o sujeito e sair da loja. Sabe que funciona? Pode parecer ridículo, mas foi a
maneira que encontrei para evitar esse papo-furado
estúpido dessa gente inútil. Acho que o mundo seria
um lugar bem melhor para se viver se as pessoas tomassem conta de seus próprios assuntos. Tento proteger o que restou da minha privacidade. Quando as
pessoas perdem o respeito comigo, seja quem for,
para mim está acabado.
Mas, no caso de alguém precisar entrar em contato com o
senhor ou o contrário, qual é o procedimento adequado?
Hoje em dia? E-mail. Se alguém quiser me dizer alguma coisa, escreva três linhas e me envie por meio
de minha agente. Não há nada que não possa ser comunicado em três linhas, como os haicaístas e budistas sabem muito bem.
O senhor falou do público brasileiro. Há algo que o senhor conheça de nossa literatura? Também poderia mencionar autores americanos que considera importantes?
Por incrível que possa parecer, sim. Mas, para ser
sincero, li muito pouco. O fato de eu não saber espanhol limita muito. Sou eremita, mas não sou desinformado... Li "Bras Cubas Latest Remembrances"
(acho que é este o título) quando era jovem e também não ponho minha mão no fogo quanto à qualidade da tradução. Do pouco que acompanho de seu
país ou que amigos brasileiros de Cornish comentam comigo por algum motivo, gosto de Rubem
Fonseca, José Agrappino de Paula [sic], Hilda Hills
[sic] e Dalton Trevisan (que conheci na tradução alemã). Entre os americanos, meus preferidos são Laura Riding, Emily Dickinson e Thomas Pynchon.
E o episódio de um site da internet que o senhor fechou
por trazer uma centena e meia de citações de seu romance. O senhor não acha que foi uma atitude exagerada?
O problema é muito simples: não abro mão de meus
direitos autorais. Não vou ficar alimentando o bolso
desses elementos. O problema é que minha propriedade, minhas histórias foram roubadas. Alguém foi
lá e roubou. Não é justo. Você não gostaria que eu
fosse na sua casa, pegasse seu casaco preferido e caísse fora. É assim que me sinto em relação a isso.
Foi o que aconteceu também quando o senhor entrou
com um processo contra a edição não-autorizada dos
seus contos ["The Complete Uncollected Short Stories of
J.D. Salinger"]?
Exato. Escrevi aquilo faz muito tempo. Nunca tive
intenção de publicar aqueles contos e fiquei muito
irritado com aquele episódio. O episódio daquela
biografia, em que usaram minhas cartas, também
me irritou muito. Como você sabe, ganhei as duas
causas. Aqueles contos, para mim, já estavam mortos e enterrados. Foram feitos num tempo em que eu
estava começando a escrever e precisava desesperadamente publicar. Não estou tentando esconder as
fraquezas do meu trabalho, como insinuaram alguns. Simplesmente acho que m... não se publica.
Não que seja minha opinião, mas o que pensa quando críticos escrevem que o senhor é apenas "um recluso querendo atenção", como Robert Neill no "The New York Times" de novembro passado?
Esses imbecis não têm nenhum respeito, são uns estúpidos. Depois dizem que não tenho motivos para
preferir me isolar. Vejo toda a estupidez do mundo
pela TV e cada vez fico mais apavorado com o que
estou assistindo, principalmente agora. Escritores
precisam de solidão para poder escrever.
O senhor poderia adiantar algum projeto ou novo livro
para os milhares de leitores brasileiros que cultuam sua
obra?
Não sei. O que posso dizer é que escrevo todo dia,
passo longas horas trabalhando. Tenho um quarto
cheio de escritos. Se não publico, é por opção. Também não penso em lançar livros depois de morrer.
Mas diria que vocês terão uma surpresa em 2005.
Não é um paradoxo um escritor evitar publicar? Não é
exatamente o que todo autor mais deseja no mundo?
Como escreveu Emily Dickinson, "publicar é leiloar
a alma humana". Adoro, amo escrever. Mas só para
mim. Publicar é uma coisa perversa demais. Veja o
que aconteceu no meu caso. Não tenho mais paz
desde 1950. Acho que seria um homem mais feliz se
nunca tivesse publicado nada. Não publicar me dá
uma indescritível paz de espírito, uma sensação de
bem-estar. Também recuso-me a dar autógrafos.
Quem tem que dar autógrafo são atores e celebridades da mídia. O autógrafo de um escritor, se ele tiver
algum caráter, deveria ser sua própria obra.
Sim, mas seu livro teve tanto impacto... Num trecho, Holden afirma que um livro é bom "quando a gente fica querendo ser um grande amigo do autor, para telefonar para
ele quando der vontade". O senhor se arrepende de ter
escrito isso?
Acho que o senhor não está me entendendo. Vou repetir pela última vez: escrevo para mim e quero que
me deixem só. Quero ser deixado totalmente em paz
para fazer minha obra. Não existe mais Holden
Caulfield. Por que você não vai ler o livro de novo?
Está tudo lá.
Gostaria de saber sua opinião sobre o livro de Joyce Maynard sobre os 11 anos que conviveu com o senhor ["Abandonada no Campo de Centeio", Geração Editorial].
Não, agora chega. Eram dez perguntas, isso precisa
parar. Já respondi o que tínhamos combinado. Você
está começando a ficar inconveniente.
Rodrigo Garcia Lopes é autor de "Vozes & Visões - Panorama da Arte
e Literatura Norte-Americanas Hoje", "Solarium" (ambos pela Iluminuras), "Visibilia" (Setteletras) e "Polivox" (Azougue).
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