São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004 |
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+ cultura Caixa reúne em quatro DVDs os longas "Othello", "Falstaff", o inacabado "Dom Quixote", cinco documentários e o primeiro curta de Orson Welles Visões do cineasta andante da gorda figura
Carlos Adriano
Verdadeiro poeta maldito e amaldiçoado do cinema, Orson Welles
não perdeu por w.o. no jogo perverso do sistema industrial de filmes. Orson Welles, ômega dos desafios ao
fiasco, deu dribles arriscados que armaram
um monumento em ruínas do que foi a arte do século 20. Welles (1915-85) é talvez o
maior detentor de títulos de obras-primas
realizadas ("Cidadão Kane"), mutiladas
("Soberba") e inacabadas ("The Other Side
of Wind").
Bem que Paul Klee advertiu: "O gênio é
uma falha do sistema".
Em 1955, ele dirigiu a série de documentários para a TV inglesa "Around the
World with Orson Welles", senha e ironia
sobre sua obra na forma de filme doméstico, cinema-verdade e ensaio digressivo.
No DVD "Este é Orson Welles", os programas de Paris e do País Basco começam
com a câmera (cuja lente reflete a câmera
que filma) apontada para nós e Welles
anunciando-se em "off".
Ele cria um artifício tributário de seu cinema. No "Herald Tribune" (jornal que
Jean Seberg venderia em "Acossado"), o
jornalista Art Buchwald atende o telefone e
Welles "dita" a pauta sobre Saint Germain
des Près. Art datilografa "Paris Noite
Adentro" e Welles conduz as imagens pelo
bairro boêmio e a vida animada de cafés,
galerias de arte, bares. O estilo Welles capta
no ar o frescor de uma vaga novidade que
surgiria em 1959, mas que seus autores já
anunciavam na crítica desde 1954.
Movimentos bruscos de câmera e cortes
aos saltos nos lançam a flagrantes de Simone de Beauvoir, Eddie Constantine, Jean
Cocteau grafitando muro, Juliette Gréco
fazendo pose. Welles vai à academia de
Raymond Duncan, onde este ensina uma
nova filosofia: "Produza tudo o que lhe for
necessário e tente não precisar daquilo que
não puder produzir". A entrevista, com
quebras de eixo e falso sincronismo, traz
temas caros ao artista.
"Independência é o bem mais valioso",
diz Duncan. Welles vaticina: "Na América
teme-se que o velho espírito de independência venha dando lugar à tendência ao
conformismo". Além do filósofo que fabrica suas letras, o sintonizado Welles encontra o letrismo: entrevista o jovem trio e assiste ao recital de poemas.
O território basco é fértil em afinidades.
Fascinado pela bela armadilha para pombos que os bascos da fronteira criaram,
Welles nota a originalidade das boinas. Entrevista um improvável basco-americano
("F for fake", verdades e mentiras?) e uma
escritora. Com quebras no eixo da edição,
a reportagem vira argumento.
"Os Tesouros Perdidos de Orson Welles" (lançamento da Continental Filmes, tel. 0/xx/ 11/5052-6311, R$ 40 cada DVD). Carlos Adriano é doutorando em cinema na USP e diretor dos filmes "Remanescências" e "Militância", entre outros. Texto Anterior: Et + cetera Próximo Texto: Não quero ser grande Índice |
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