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+ brasil 505 d.C.
Distantes quanto à qualidade de vida,
Brasil e Itália enfrentam problemas parecidos
no combate ao crime organizado
Terra nostra
Boris Fausto
Brasil e Itália, aparentemente, aproximam-se mais no passado do que
no presente. A principal e óbvia referência ao passado diz respeito ao
fenômeno da imigração em massa, que
deixou tanta influência no Sul do Brasil e
no Estado de São Paulo, a ponto de sua capital ser chamada, na virada do século 20,
de "cidade italiana".
Ao mesmo tempo, nos dias de hoje, se a
integração de gostos culinários, de acentos
lingüísticos, de inúmeros sobrenomes trazem marca de origem, a Itália pareceria
bem distante do Brasil, em termos de desenvolvimento. Para ficar em um só exemplo, em 2001, o Brasil figurava em 65º lugar
e, a Itália, em 21º, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pela ONU.
Entretanto, como ocorre em outros casos, nem tudo se reduz à quantificação.
Muitos traços, sejam de ordem socioeconômica, sejam de ordem cultural, aproximam os dois países. Alguns deles são decorrentes da globalização, da introdução
de novas tecnologias, de alterações do
comportamento, sendo comuns, portanto,
ao mundo ocidental; outros são mais específicos e suscitam mais interrogações.
Incluem-se entre os traços mais gerais o
desemprego, a informalidade nas relações
de trabalho, o consumismo, a queda da taxa de natalidade etc. Entre os mais específicos, figuram as desigualdades regionais, o
clientelismo associado à corrupção, o quase domínio da mídia televisiva por duas
empresas privadas, os problemas da gestão
administrativa governamental etc.
Seleciono do leque de aproximações o tema da corrupção, tomando como base, para o caso italiano, o excelente livro de Paul
Ginsborg, "Italy and Its Discontents" (algo
como A Itália e Suas Inquietações, ed. Palgrave Macmillan), publicado em 2001. É
claro que práticas corruptoras, envolvendo figuras públicas e do mundo privado,
não são comuns apenas ao Brasil e à Itália,
pois têm uma variável e longa presença
mundial. Mas, guardadas as diferenças,
uma incursão no caso italiano pode ser
elucidativa dos dilemas do combate à corrupção nos dois países e das alternativas
institucionais que vêm sendo discutidas no
Brasil de hoje.
Deixo de lado o tema complexo da origem das práticas delituosas para me concentrar na questão de seu combate -um
esforço que vem sendo empreendido em
ambos os países, embora com resultados
limitados. Não por acaso, quando no Brasil
se iniciaram ações mais sistemáticas contra certas práticas ilícitas -lavagem de dinheiro, tráfico de armas e de drogas, favorecimento em licitações e em negócios do
Estado em geral-, houve seguidas referências à operação "mani puliti" (mãos
limpas), desencadeada pelos quadros mais
jovens da Promotoria Pública da Itália, a
partir de 1992.
Aberrante ilegalidade
Antes, ao
longo dos anos 80, como observa Ginsborg, dois fatos novos destacaram-se na vida social italiana: de um lado, o crescimento de uma aberrante ilegalidade, não restrita apenas à Máfia; de outro, a firme determinação de combatê-la, demonstrada por
setores minoritários do governo.
Essa determinação, aliás, levou à morte
do general de carabineiros e governador da
Sicília, Carlo Alberto dalla Chiesa, e de sua
mulher, assassinados em Palermo, em setembro de 1982.
A ofensiva anticorrupção foi bloqueada
por decisões judiciais, assim como pelas
iniciativas do governo socialista, liderado
por Bettino Craxi. Craxi -diga-se de passagem- foi um triste exemplo de um personagem que, partindo de posições de esquerda, acabou processado e condenado
por práticas de corrupção, refugiando-se
em Túnis, onde morreu.
Mas, a partir de um escândalo que explodiu em Milão, em 1992, a ofensiva contra a
chamada "Tangentopoli" (cidade da corrupção) se estendeu a todo o país. A operação "mani puliti" produziu significativos
resultados e não se deteve diante de figuras
importantes dos meios políticos e empresariais italianos, alcançando os "intocáveis" por definição. No início, teve um formidável apoio da opinião pública e alguns
promotores ganharam justificado prestígio, como foi o caso de Antonio di Pietro.
Seu nome apareceu nos muros e monumentos de Milão com frases do gênero "Di
Pietro, você é melhor que Pelé". Teve também seus heróis, alguns anônimos, outros
bem conhecidos, como Giovanni Falcone e
Paolo Borsellino, assassinados pela Máfia
em Palermo (1992) com diferença de poucos meses.
Ao mesmo tempo, a ofensiva contra a
corrupção foi acompanhada de alguns erros e excessos, entre eles o incentivo à politização do Judiciário, a inculpação de inocentes e o vazamento precipitado de informações aos meios de comunicação. Nas
discussões da época, figurou o alcance da
competência investigatória da Promotoria
Pública, diante dos dispositivos do novo
Código de Processo Penal, que tratou de
restringi-la.
Declínio da investigação
Com o
tempo, as pressões para pôr fim ou amenizar as investigações vieram de todos os lados, inclusive de setores médios da sociedade que tinham aplaudido o ataque aos figurões, mas se sentiram desconfortáveis
quando muitas de suas práticas, entre elas
a evasão fiscal, passaram a ser reprimidas.
A trajetória de Di Pietro, embora seja um
caso excepcional, simboliza o declínio da
ofensiva investigatória. Após demitir-se de
seu cargo, Di Pietro ensaiou uma incursão
na carreira política no auge da popularidade, mas foi obstado por uma obscura investigação, indicando não propriamente
ilicitude, mas certas transações não transparentes entre ele e seus amigos.
Comparar termo a termo a conjuntura
vivida pelo Brasil e pela Itália não faz sentido. Mas as aproximações são evidentes, e,
por isso mesmo, o caso italiano nos permite vislumbrar melhor as possibilidades e os
limites da luta contra a corrupção. Luta hoje muito difícil na Itália, sob o comando de
Silvio Berlusconi [premiê italiano], cujas
práticas são conhecidas e que foi figura
central no ataque a magistrados intitulados
por ele "investigadores de toga vermelha".
Luta também muito difícil no surpreendente Brasil de Lula, embora Lula e Berlusconi não sejam a mesma coisa.
Boris Fausto é historiador e preside o conselho acadêmico do Gacint (Grupo de Conjuntura Internacional), da USP. É autor de "A Revolução de 1930" (Cia.
das Letras). Escreve mensalmente na seção "Brasil
505 d.C." (depois de Cabral), do Mais!.
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