São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003 |
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+ literatura A autora canadense fala de seu mais recente romance, "Oryx and Crake", de gêneros de escrita e da influência da obra de Virginia Woolf em sua formação Detetives não têm pai nem mãe
Juliana Monachesi
Madame Atwood vaticina dias funestos para
a humanidade em seu mais recente livro,
"Oryx and Crake" (Doubleday). Qual um
oráculo, a autora canadense põe na boca do
personagem Snowman, supostamente o único que sobreviveu, os eventos que levaram ao desastre científico e
ecológico do planeta. Famosa pela mordacidade e o humor negro, Margaret Atwood, 64, concedeu por telefone (com certo enfado) a entrevista a seguir de Oslo (Noruega), onde estava em turnê para lançar o novo livro.
Mas eu me deparei, sim, com dois exemplos desse tipo de preconceito. Um deles foi que, quando o livro estava sendo considerado para indicação a um determinando prêmio, um dos integrantes do júri alegou que não era apropriado escrever um livro sobre o futuro e recusou a indicação. Em outro júri, ele foi desconsiderado não por ser um livro de ficção científica ou por ser um livro de "ficção de inspeção", mas por ser supostamente feminista. A sra. concorda? Eu acho que algumas pessoas pensam que qualquer livro escrito por mulheres é feminista, que qualquer livro sobre mulheres é feminista, e essas pessoas são do tipo que não acha que mulheres deveriam escrever livros. A sra. compartilha, então, da visão de Elizabeth Bishop, que se recusava a publicar em coletâneas de "poesia feminina"? Não. Na verdade eu não me importo. Escritores escrevem o que escrevem; outras pessoas podem colocá-lo em livros como desejarem. A ficção científica, de todo modo, frequenta livros seus, da mesma forma a novela gótica, em "Madame Oráculo". Qual o seu interesse em permear seus livros de diferentes gêneros literários? Quando se fala em ficção, as pessoas cometem o erro de achar que toda ficção é ou deveria ser algo chamado "romance". E por "romance" entendem realismo, é isso o que querem dizer -ou algo que se pareça com realismo-, querem dizer Jane Austen ou George Elliot. Mas de fato há muita ficção em prosa que não é "romance" naquele sentido. Mas, sobre misturar gêneros, bem, por que não? Existem regras para isso? As regras estão na cabeça de certos críticos, mas escritores não dão atenção para isso. Em artigo para o "Guardian" (7/9/2002), a sra. comentava a leitura errônea que fez de "Rumo ao Farol" na primeira vez em que o leu, aos 19 anos. Que experiências a sra. teve com "Orlando" ou "As Ondas", isto é, que importância teve na sua trajetória o que a sra. chama de "woolfland" [expressão que Atwood usa no artigo]? Eu não os li naquela idade. Mas, como indiquei naquele texto, não consegui compreendê-la quando tentei lê-la pela primeira vez. Acho que, quando muitas pessoas leram Virginia Woolf pela primeira vez e se identificaram com ela, não foi tanto por seus romances, mas por "The Common Reader" [primeiro volume de ensaios de Woolf]. Mas não posso dizer que tenha tido outra experiência tão extrema como aquela, ao reler um livro e descobrir que ele é tão diferente da maneira como eu achava que era. Acho que às vezes você ainda não está pronto para um livro, e às vezes você o lê tarde demais. A sra. diria que o fantasma da mãe de Joan Foster, em "Madame Oráculo", e o fantasma da irmã de Iris, em "O Assassino Cego", são a força que move ou que paralisa suas vidas? Alguns dias atrás eu saí para jantar com conhecidos aqui na Noruega e passamos o jantar inteiro conversando sobre os pais deles. Então eles perguntaram: "Você acha que os nossos filhos estão sentados ao redor de uma mesa agora falando sobre nós?". E disseram: "Provavelmente estão". Mas, novamente, tudo depende do gênero do livro. Sherlock Holmes não tem mãe nem pai, ele é um detetive. Sabemos ao menos que ele tem um irmão, mas isso é tudo. Pense, por exemplo, em George Smiley, em "Tinker, Tailor, Soldier, Spy" [de John le Carre], um ótimo livro. George Smiley não tem pais. É curioso pensar que, quanto mais você se move para o terreno dos livros de aventura, mais eles se tornam "sem pais", porque os autores não estão preocupados com isso e nem o leitor é convidado a pensar sobre isso. O autor de uma história tem de escolher a respeito do que vai contar ao leitor. E por que sua escolha, no último livro, em falar do futuro -e um futuro tão sombrio? Esse parece ser o futuro a que estamos nos dirigindo. Então não estou escolhendo esse futuro para a humanidade. É um de nossos futuros possíveis. Não é um futuro inevitável, mas é certamente um possível. Texto Anterior: ET + cetera Próximo Texto: Capa 26.10 Índice |
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