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Simpósio internacional realizado nos EUA discutiu estatuto literário de "Os Sertões"
Euclides entre a ficção e a história
Adriano Schwartz
enviado especial a Austin, Texas
Os Sertões", de Euclides da Cunha, é uma obra de literatura
ou de história? Iniciadas no ano
passado, as comemorações do
centenário de publicação do texto tiveram o seu fecho simbólico há duas semanas, em um simpósio internacional realizado na Universidade do Texas, em Austin (EUA), no qual essa foi a questão
mais debatida. Participaram do congresso, coordenado por Leopoldo Bernucci,
diretor do departamento de português e
espanhol da universidade, especialistas
do Brasil, dos EUA e da Europa.
A dúvida sobre o caráter do livro não é,
evidentemente, nova. Em um célebre comentário, escrito logo após o seu lançamento, o crítico José Verissimo dizia: "O
livro do sr. Euclides da Cunha [...] é ao
mesmo tempo o livro de um homem de
ciência, um geógrafo, um geólogo, um
etnógrafo; de um homem de pensamento, um filósofo, um sociólogo, um historiador; e de um homem de sentimento,
um poeta, um romancista, um artista".
Literatura como borda
Ao longo
do simpósio, a posição de Euclides como
historiador foi defendida nos debates e,
posteriormente, em conferência por Luiz
Costa Lima, que deu prosseguimento às
idéias que já lançara no estudo "Terra Ignota" (ed. Civilização Brasileira) e atacou
o que denominou de "homogeneidade
da recepção" do livro. Para o crítico, "a literatura se faz presente em "Os Sertões"
apenas como borda que ornamenta um
argumento que se quer científico".
Contra essa posição, colocaram-se, a
partir de diferentes estratégias analíticas,
Bernucci, autor de "A Imitação dos Sentidos" (Edusp), que apresentou a palestra "Cientificismo e Aporias em "Os Sertões'", e Berthold Zilly, tradutor do livro
para o alemão e professor na Universidade de Berlim, que procurou mostrar traços da tragédia e da epopéia no texto euclidiano. Opuseram-se também Lourival
Holanda, da Universidade Federal de
Pernambuco, e Sara Castro-Klarén, da
Johns Hopkins University.
A professora peruana, aliás, teve um
curioso diálogo quando reencontrou
Costa Lima, a quem já conhecia, um dia
antes do início do congresso. Depois de
se cumprimentarem, ela disse que havia
relido recentemente "Os Sertões" e ficara
novamente espantada com a qualidade
da narrativa do engenheiro e que julgava
muito curioso o fato de ele se considerar
um historiador. O brasileiro retrucou:
"Mas ele é um historiador". "É claro que
não é", disse ela; "é claro que é", disse ele;
"não, não é"...
Frederic Amory, da Universidade de
San Francisco, comentou brevemente alguns ensaios sobre Canudos e Euclides
da Cunha -sendo especialmente crítico
em relação aos "erros factuais" de "O
Sertão Prometido" (Edusp), do brasilianista Robert Levine- e apresentou alguns dos pressupostos da biografia que
está preparando.
Francisco Foot Hardman, da Universidade Estadual de Campinas, tratou da
"Poética das Ruínas em "Os Sertões'" e
mostrou como a noção de ruína atravessa a obra euclidiana, estando presente já
em seus escritos juvenis. Hardman trabalha atualmente, com Leopoldo Bernucci, em uma compilação de poemas
do escritor, muitos dos quais inéditos,
que deve ser lançada no primeiro semestre do ano que vem.
Antônio Dimas, da USP, mostrou três
reações de contemporâneos ao massacre
de Canudos, com destaque para algumas
crônicas de Machado de Assis, nas quais
fica evidente que o autor de "Dom Casmurro" se posicionou de modo claro ao
lado do governo no conflito, lamentando
apenas que este não tenha agido mais rapidamente. "A Chave Gnóstica - Antonio Conselheiro, Euclides da Cunha e
Borges" foi o título da palestra de Peter
Elmore, da Universidade do Colorado,
que contrastou o texto com uma de suas
fontes principais, a obra do francês Ernest Renan (1823-1892).
A relação entre ciência e arte foi discutida por José Carlos Barreto de Santana,
da Universidade de Feira de Santana
(Bahia), e por Valentim Facioli, professor da USP e editor da Nankin, que relançou recentemente "Juízos Críticos"
(co-edição com a editora da Unesp), a
coletânea há muitos anos esgotada de artigos sobre "Os Sertões" publicados na
época de sua primeira edição.
Apresentaram também trabalhos no
simpósio Dain Borges (Universidade de
Chicago), Luiz Valente (Universidade
Brown) e Renata Wasserman (Universidade Wayne State).
Além das conferências e debates, o
evento marcou também a abertura da
exposição "Fotografando a Guerra",
com imagens do conflito feitas por Flávio de Barros. Ela ocorrerá até 15 de janeiro de 2004 na biblioteca Benson, na
qual existe uma das mais importantes
coleções do planeta de livros e periódicos
sobre assuntos latino-americanos.
O jornalista Adriano Schwartz viajou a Austin a convite da Universidade do Texas.
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