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Ponto de fuga
O paradoxo e a vertigem
Jorge Coli
especial para a Folha
O lugar do tempo é sem medida, onde cada um de nós
toca, simultaneamente, épocas distantes. O fluir aparente, a imobilidade pressentida pertencem à natureza
do tempo: é Proust quem se inquieta assim nas páginas
de "Em Busca do Tempo Perdido".
As artes "do tempo", como a literatura, a música, o cinema, são aquelas que deixam intuir de modo mais claro a superposição entre todo e fluência. Basta ouvir,
mesmo pela primeira vez, o motivo expressivo que
emerge no prelúdio de "Tristão e Isolda" para adivinhar
o núcleo essencial do drama que deve ainda ocorrer.
Quando se conhece a ópera inteira, o tema já concentrou, no que é, aquilo que foi e aquilo que virá.
Paradoxos do tempo formam o eixo da saga "O Exterminador do Futuro", estrelada por Schwarzenegger,
que conheceu um terceiro painel neste ano. Os dois primeiros, dirigidos por James Cameron, eram bem diferentes entre si. "Terminator", de 1984, mostrava uma
trama estrita, necessária, fulminante. "Terminator 2 - O
Julgamento Final", de 1991, deixava-se tomar, de modo
esplêndido, pelos novos efeitos digitalizados. Num, era
o thriller que comandava, no outro, um formidável sentido do espetáculo. Cada um se sintonizou com o seu
momento, e o mote do futuro e do passado que se amalgamam conhecia, assim, uma espécie de progresso. Na
terceira versão, "A Rebelião das Máquinas", a volta ao
passado, na história, corresponde a uma volta ao passado do próprio cinema, a uma busca de referências nos
modos antigos do gênero de ação. O cenário final, refúgio e cárcere, retoma o modo como, em 1965, se podia
imaginar os anos 2000.
Bíceps - "Terminator 3" traz de volta o velho e bom robô mecânico, sólido e nada virtual, como os que sonhara Hoffmann, e como Fritz Lang concebeu em "Metropolis". A cena de perseguição com carros e caminhões é
formidável, marcada por um sentimento de embate
material. Esse caráter físico é forte no filme, mas a ele se
acrescenta a angústia de Édipo em conflito com o destino: retificar o que estava escrito, corrigir o que está por
vir, negar a profecia. No ciclo de "O Exterminador do
Futuro", a necessidade primeira de salvar a espécie se
acompanha de outra, mais essencial: salvar o que pode
ser humano. O tema clássico do humanismo ameaçado
pelas máquinas toma nova espessura, muito complexa,
instaurada pelo dever e pela culpa, pela escolha, pela
contradição. As angústias ali contidas nascem da misteriosa natureza do tempo, em que conhecido e desconhecido formam o avesso e o direito.
Os três "Terminator" rompem a totalidade temporal
da obra para projetá-la num destino inacabado e incompleto, cada vez renascendo em busca da determinação que lhe dá sentido.
Entranhas - Comentário, em deriva diversa, que Antoine Seel envia a esta coluna, retomando o que foi escrito
sobre "Caçado", de Friedkin, no "Ponto de Fuga" do último domingo: "Só a violência reina as violências. Violência feia dos massacres, quer dizer, do desequilíbrio:
sérvios exterminando albaneses, caçador dispondo armadilhas para lobos, homens de negócio no encalço do
cervo, carros ou helicópteros do FBI perseguindo sua
presa. Violência feia, sem ritual; violência sobrearmada.
Em oposição, a violência do par mestre/discípulo. Violência primeira, ritual, bela. Mas violência ainda mais
extrema, mais eficaz, mais violenta. Não é, em minha
opinião, Deus que teria sido substituído pelos poderes
de um militarismo enlouquecido; é a crueldade e a piedade de Deus, da sociedade, que são ultrapassadas pela
violência sem motivo. Na sociedade, na religião, crueldade e piedade vêm juntas: Deus retém Abraão. Mas, no
filme, não há sadismo nem religião nem pátria. Essa
violência, ao contrário da da Bíblia ou da sociedade, não
deixa nenhuma esperança, verdadeira ou falsa, sincera
ou hipócrita".
Miolos - Basta afastar preconceitos ou hábitos mentais
para perceber a inteligência reflexiva presente no cinema de ação americano. Essa força não depende de intenções expressas. Brota no contar de uma história, no fazer-se espetáculo.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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