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+ literatura
O escritor fala de "A Marca Humana", que sai nesta semana no Brasil, explica
a força realista do romance nos EUA e critica o patriotismo pós-11 de setembro
A prosa retorcida contra o ventríloquo
Jean-Louis Turlin
do "Independent"
Nos últimos dez anos o romancista Philip Roth,
69, viveu na bela região campestre de Connecticut, rodeado de campos e florestas. Mas, ao
contrário de seu vizinho J.D. Salinger [autor
de "O Apanhador no Campo de Centeio"", que vive como um recluso, o autor de "O Complexo de Portnoy"
mergulhou na América rural, da qual se sentia desligado depois de passar mais de dez anos na Inglaterra.
Nos últimos anos, sua trilogia obliquamente política,
formada por "Pastoral Americana", "Casei com um Comunista" e "A Marca Humana" (Cia. da Letras), consolidou a reputação de Roth como um dos mais importantes autores vivos do mundo e uma poderosa voz de
dissensão na vida americana. Em uma rara entrevista,
ele fala de seus livros e por que está horrorizado com o
patriotismo generalizado nos EUA hoje.
O sr. publicou quatro livros em quatro anos. Não sente
necessidade de dar uma respirada?
É porque nunca saio de casa. Na verdade eu estava totalmente exausto
quando terminei meu último livro,
"The Dying Animal" (O Animal Agonizante, ed. Vintage, 2002), e não conseguia começar outro; estava sem vapor. Então decidi ir a Nova York... em
10/9/01! Ia passar alguns dias para recarregar as baterias.
No dia seguinte fui nadar numa academia. Foi lá que soube do que tinha acontecido no
World Trade Center. Nadei um pouco, assim mesmo. Depois fui para a rua. Vi então aquelas multidões de pessoas silenciosas, voltando solenemente
pelas ruas, afastando-se das torres. Aí a coisa me pegou. Depois disso vaguei pelas ruas como tinha feito
em 1963, depois do assassinato de Kennedy. Acabei
ficando vários meses em Nova York. Para mim a cidade se tornara novamente interessante, porque era
mais uma vez uma cidade em crise, especialmente
nas semanas que se seguiram, com todo mundo esperando a próxima explosão.
Já se disse várias vezes que com o 11 de setembro os EUA
perderam a inocência.
Que inocência? Isso é tão ingênuo... De 1668 a 1865 tivemos escravidão neste país. Depois, de 1865 a 1955,
uma sociedade marcada por uma brutal segregação.
Que inocência? Realmente não sei do que as pessoas
estão falando.
As declarações do presidente Bush o revoltam?
Ah, tudo me revolta [risos]! Não porque eu me sinta
superior -e espero que não por me achar virtuoso-, mas a linguagem é sempre uma mentira, especialmente a linguagem pública. E é por isso que [o
escritor" Norman Mailer, eu e outros estamos tentando atacar as mentiras em nossos textos. Nossa escrita raspa a superfície e revela o que há embaixo.
[O senador] MacCarthy [1909-57" usou uma certa
linguagem para caçar os comunistas. A linguagem
usada contra Clinton e, em "A Marca Humana",
contra o protagonista, Coleman, é um pouco mais
sofisticada. Quanto a Bush, os ventríloquos o fazem
falar. Seus discursos parecem uma campanha publicitária, mas não sei se vai funcionar.
Vamos falar sobre sua trilogia. A América mudou depois
de 11 de setembro?
Sem dúvida. Mas dizer que tudo mudou é clichê. Basicamente o país continua o mesmo. Por outro lado,
deixei uma certa América em 76, e encontrei uma diferente quando voltei, em 89. A imigração da Ásia,
do Caribe e da América Central teve muito a ver com
essa mudança. Era um jogo diferente, e era como se
eu fosse Rip van Winkle [personagem do romance
homônimo de Washington Irving (1783-1859)". Voltei porque precisava renovar meus laços com os
EUA, me reconectar.
Se não tivesse escrito "Pastoral Americana" ou "Casei com um Comunista", não teria escrito "A Marca Humana", porque nos três casos tratei de
momentos da história americana que
tiveram forte impacto sobre mim. Esses momentos muito raros em que todo mundo no país está falando sobre
a mesma coisa. Em "Pastoral Americana" o pano de fundo é a Guerra do
Vietnã. Fui muito influenciado por esse período, especialmente os anos 1963-73. Pela primeira vez em
meus livros coloquei o leitor em contato direto com
um fato público.
Então perguntei a mim mesmo que outro momento
tinha exercido o mesmo papel na vida do país e na
minha vida adulta. E pensei na era MacCarthy. Fui
criado em uma família de esquerda. Meu tio era comunista, com influências marxistas, e meu pai estava mais para o lado de Roosevelt, o que é basicamente à esquerda da linha atual do Partido Democrata. O
macartismo foi o foco de discussões em minha casa e
no noticiário durante toda a minha época de universidade, em Chicago. "Casei com um Comunista" é
tão profundamente enraizado nesse momento de
nossa história quanto o primeiro livro foi no Vietnã.
O terceiro grande momento para mim foi 1998,
quando todos falavam do caso Monica Lewinsky. Eu
me diverti muito escrevendo o capítulo em que os
professores universitários conversam sobre as tristes
opções sexuais de Clinton, embora os acadêmicos
geralmente não tenham a percepção nem a sabedoria da liberdade sexual para falar assim [risos".
Mas, deixando de lado as brincadeiras, eu queria
propor algumas reflexões sérias. Para mim, as histórias de Clinton e de Coleman são exatamente iguais.
Em "A Marca Humana" você sugere a profunda ignorância do estudante médio americano.
Tenho certeza de que isso não se aplica às disciplinas
científicas, que foram relativamente poupadas do escândalo intelectual do "politicamente correto". Mas
é pior que isso. O que estou tentando transmitir é a
total ausência de rigor intelectual. Os estudantes não
fazem idéia do que é pensar. E o que lhes ensinam é
absurdo.
Em geral, o problema se resume à maneira como se
ensina literatura inglesa. É escandaloso. Quaisquer
desejos de ler que não tenham sido destruídos pela
cultura popular, a TV, o cinema ou os computadores, os cursos de literatura cuidam deles! É uma tragédia intelectual. Esses caras estão no primeiro ano
da universidade, não aprenderam nada no colégio,
nem sequer sabem quando foi a Segunda Guerra, e
então o professor os manda ler Foucault!
O realismo ou naturalismo de seu livro lembram Zola.
Ótimo! Mas isso de que você fala é uma parte integral
da reformulação da literatura americana. É a força
do romance americano. Veja Norman Mailer, em
"Executioner's Song" [A Canção do Carrasco] -um
monumento- ou "Os Nus e os Mortos" [ed. Record], em que adota a grande tradição realista americana. E sem Faulkner e sua prosa retorcida, como
poderíamos ter imaginado o Sul como realmente é?
A força do romance americano é sua enorme capacidade de testemunhar um lugar e um momento.
Se você recebesse o Prêmio Nobel, como reagiria? Seria o
ponto alto de sua carreira?
Isso me deixaria muito feliz. Para mim é a conquista
máxima na arte de escrever.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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