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Elegia 05-08-1987
por Carlito Azevedo
Sabe que nada mais agora
poderá mover sua poesia.
Cruza a avenida Rio Branco, o aterro,
a enseada, o túnel do Pasmado
(do mundo caduco é a parte
que mais lhe agrada).
Nem o vestido de flores da filha do tipógrafo, nem os
pássaros de fogo que dele
partiam de vez em quando
(tudo perdido num antigo
crepúsculo itabirano).
Nem aquela vez,
quando pensou ouvir
o rumor do mundo percutindo
as paredes do Outeiro
(havia um melro no alto
do muro de cantaria negra).
Cerra as mãos como quem porta
um segredo, e ainda que ninguém
perceba, sente que sua revolução
está ocorrendo neste exato instante.
Se apenas uma dessas indecifráveis
palmeiras pousasse o rosto no peito
do aviador cansado, ouviria
as bombas da ilusão de
auto-suficiência e as bombas
da ilusão de unidade absoluta
com a natureza reduzindo a
pó a ilha mínima do eu.
Mas ele mesmo só pode ouvir os
ônibus lotados que passam rumo à
periferia, soltando no ar
grossos rolos de fumaça negra,
ou as mãos de quem costura
vestidos de flores baratos.
Revoluções e filhos são mais
incontroláveis do que poéticos:
eis a quinta-essência do
aprendizado? Maria Julieta está morta.
Cruza o túnel do Pasmado, e mais outro.
Tudo somado, talvez esteja recitando:
"A Avenida Atlântica situa essas
coisas numa palidez de galáxias".
Carlito Azevedo (1961) é autor de "Collapsus Linguae", "Sob a
Noite Física" e "Sublunar" (todos pelas ed. 7 Letras).
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