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São Paulo, domingo, 29 de junho de 2003

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IVO BARROSO

Te cansaste afinal desta vida anciã (1)
Pastora ó torre Eiffel teu rebanho de pontes bale esta manhã
Já viveste demais na antiguidade dos gregos e romanos
Aqui até os automóveis têm um ar de muitos anos
Só a religião permaneceu nova a religião
Permaneceu simples como os hangares do campo de aviação (2)
Antigo na Europa ó Cristianismo só tu não és
O europeu mais moderno sois vós ó Pio Dez
E tu que as janelas espreitam a vergonha te escora
De entrar numa igreja e confessar-te agora
Lês prospectos catálogos cartazes cantando alto seus versos
Eis a poesia da manhã e para a prosa há os jornais
Os folhetins baratos cheios de aventuras policiais
Retratos de figurões e mil fatos diversos
A rua cujo nome esqueço e donde vim
Esta manhã nova e limpa de sol era um clarim
Operários patrões estenógrafas belas
De segunda a sexta passam quatro vezes por ela
Toda manhã por três vezes uma sirene brada
Um sino raivoso ao meio-dia ladra
As inscrições das tabuletas e dos muros
As placas os avisos parecem araras em apuros
Amo a graça desta rua industrial, no cerne
De Paris entre a Aumont-Thièville e a Avenue de Ternes
Esta é a rua da infância e não passas de um pivete
Tua mãe só de azul e branco é que te veste
És carola e com teu colega mais antigo, ou seja,
René Dalize, amas acima de tudo as pompas da Igreja
São nove horas baixaram o gás azul sais do dormitório às furtadelas

NOTAS
1. As primeiras tentativas de traduzir o poema observando as rimas em parelha foram frustrantes. Resolvi abandoná-las na primeira estrofe:
"Enfim estás cansado deste mundo antigo
Ó torre Eiffel pastora o rebanho de pontes bale esta manhã
Já viveste demais na antiguidade greco-romana
Aqui até os automóveis têm um ar de antigos".
Mas depois me convenci de que a rima era absolutamente necessária para marcar um ritmo nestes versos de medida livre, e voltei às tentativas anteriores, embora reconheça que a solução "vida anciã" por "mundo antigo" ficou muito aquém.

2. No original, Port-Aviation. Cheguei a importunar amigos franceses para saber o significado do termo. Era um primitivo aeroporto, uma espécie de aeroclube, em Juvisy-sur-Orge, 35 km ao sul de Paris, ponto de partida, em 1911, da corrida aérea Paris-Roma, certamente presenciada por Apollinaire. "Zona" saiu no ano seguinte. (IVO BARROSO)

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