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Século 19 estava prenhe da evolução biológica
GEOLOGIA ITALIANA DO SÉCULO 18 LANÇOU BASE DO EVOLUCIONISMO
NÉLIO BIZZO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ao remeter para
Darwin seu ensaio sobre as variedades de seres
vivos, Alfred Russel Wallace pedia que o mostrasse a Sir Charles Lyell, o
famoso geólogo, caso nele
visse algum valor. O ensaio
teve um impacto avassalador
sobre Darwin: trazia sentenças inteiras que poderiam ser
encontradas em um antigo
ensaio de Darwin de 1844.
"Seleção natural" e "sobrevivência do mais apto" apareciam tão articuladas no texto
de Wallace quanto estavam
na mente de Darwin.
Ao impacto do ensaio de
Wallace somou-se um período de muita agitação emocional e Darwin teve de mudar
seus planos inteiramente. O
impacto de sua teoria sobre
as raças do homem, idéia que
Darwin vinha desenvolvendo, teria de esperar até 1871.
Malgrado essas mudanças
de rota, uma teoria da evolução estava brotando na mente de pensadores em várias
partes do mundo e o rebento
teórico brotaria em algum lugar. O século 19 estava prenhe da evolução biológica.
Essa prenhez estava anunciada no livro que Darwin lera a bordo do Beagle, "Princípios da Geologia".
Lyell escrevera que as teorizações inglesas tinham sido refutadas,
e até mesmo ridicularizadas,
pelos geólogos italianos do
Século das Luzes. Eles tinham estendido as bases de
Galileu para o estudo do interior da Terra e refutado a
idéia de um dilúvio universal.
Lyell defendia o completo
abandono da antiga idéia de
que os fósseis não são marcas
de seres vivos que de fato
existiram no passado. Da
mesma forma, dizia Lyell,
não era razoável invocar os
céus ou qualquer divindade
para explicar fenômenos naturais à custa de milagres.
Nada além da "pura abominação" dessas visões era o
que Lyell pedia a seus colegas
iniciados das academias de
intelectuais. Para explicar a
ocorrência de fósseis marinhos nas alturas das montanhas não era necessário solicitar a intervenção de nenhuma força onipotente.
Até aquela data, muitos
viam nos degraus da arena
romana de Verona as marcas
de Júpiter, cuja imagem os
romanos tinham tomado de
Amon dos egípcios. Os "cornu Ammonis" que até hoje
ornam o rico mármore das
calçadas de Verona, seriam
simples lembranças espirituosas dos chifres de carneiro
de Amon, e não marcas de
amonitas (daí a origem do nome), animais reais extintos.
A geologia italiana acabara
com o fundamentalismo anglicano naturalista e suas
pretensões de sacralizar a
ciência nascente.
A física e a mecânica dos
céus tinham deixado de depender daquilo que estava
nas Escrituras; a química vivia tempos revolucionários.
O estudo da vida seria o próximo campo fértil no qual
germinariam as sementes da
evolução orgânica, base de
uma verdadeira ciência da vida, capaz de explicar as extinções, as "grandes revoluções"
da crosta terrestre e o "mistério dos mistérios" -a origem
das espécies.
Darwin e Wallace tinham
resolvido a questão em 1858.
Darwin já o fizera em 1844 de
maneira plenamente aceitável, mas insisitira em colecionar mais fatos e evidências.
Wallace confessava que, embora quisesse se dedicar ao
tema de uma forma teórica,
os afazeres cotidianos de coletor de espécimes lhe roubavam o tempo necessário.
Com um acesso de malária,
ficou preso a uma cama, onde
rememorou o que lera de
Malthus e teve o "insight"
criativo da seleção natural.
Em 1858, enfim, as duas
perspectivas se juntaram e a
teoria foi finalmente apresentada ao mundo. Passados
150 anos, sabemos que nada
na biologia faz sentido sem
ela. Há uma única razão para
um anfioxo, uma lampréia,
um sapo, uma tartaruga, um
galo e um elefante terem um
desenvolvimento embrionário com características comuns. Essa razão se resume à
teoria da evolução, cujas bases foram assentadas pela
geologia dos italianos do século 18, entendida e aplicada
pelos britânicos que os sucederam, capazes de perceber a
distinção básica entre ciência
e religião. Ela estava no ar.
NÉLIO BIZZO é professor da Faculdade de
Educação da USP. Pesquisou os manuscritos
e a biblioteca pessoal de Charles Darwin
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