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Ponto de fuga
Debussy em Minas
Ópera singular, um "monumento solitário e incomparável", como escreveu Mário de Andrade, "Pelléas
e Mélisande" nunca foi montada em São Paulo
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Seria possível começar
com críticas. Vamos lá: a
montagem de Marcio Aurélio tem muitas falsas boas
idéias, os figurinos são inexpressivos, a Mélisande de Rosana Lamosa não possui as notas médias e graves do papel.
Agora é melhor esquecer as
críticas. "Pelléas e Mélisande",
de Claude Debussy, montada
no Palácio das Artes de Belo
Horizonte, terminou subjugando o público pela emoção.
Abel Rocha dirigiu a excelente Sinfônica de Minas extraindo as nuanças mais inspiradas,
mais envolventes. Fernando
Portari impôs um Pelléas interior e perturbado. Magnífico,
por ele só valendo a viagem, o
barítono francês Jean-Philippe
Lafont (para descobri-lo: a gravação de um "Falstaff" cheio de
verve e de insolência vocal, sob
a regência renovadora de John
Eliot Gardiner). Encarnou um
formidável Golaud.
Pensar que "Pelléas", essa estupenda obra-prima, nunca foi
montada em São Paulo!
Ópera singular, um "monumento solitário e incomparável", como escrevia Mário de
Andrade neste mesmo jornal
há 65 anos. Tece como que uma
poesia do inconsciente, feita de
vôos e de mergulhos nas almas
humanas, tão dolorosas. "Se eu
fosse Deus, teria piedade dos
corações dos homens", diz um
de seus personagens, o velho
rei Arkel.
Velhos hábitos
O parque -ou, antes, o imenso jardim- é magnífico. A altura da grama parece medida à régua; as palmeiras, as orquídeas,
os guambés, a infinidade de
plantas, com muita arte, multiplicam os verdes, pinçam alguns vermelhos, insinuam
amarelos. Os percursos são sinuosos e labirínticos, cheios de
estratégias.
Há também pavilhões. Nada
de arquitetura neonacional,
eloqüente, impositiva. São
brancos, discretos, elegantes.
Às vezes se abrem em grandes
vidraças para lagos tranqüilos,
cheios de cisnes, de aves exóticas, de carpas coloridas. Nesses
abrigos foram dispostas obras
contemporâneas. Uma delas,
"True Rouge" [de Tunga], incendeia de vermelho a ponta de
um dos lagos.
Inhotim [em Brumadinho,
MG] tem uma beleza espantosa
e possui também certamente
um batalhão de jardineiros para conter a exuberância natural
dos trópicos. Fica a 60 km de
Belo Horizonte. Chega-se a esse Éden perfeito por uma estrada de terra. Faz pensar nas maluquices do barão de Catas Altas, do contratador João Fernandes, dos poderosos ricaços
do ouro e dos diamantes naquelas Minas de outrora.
Frufru
A conjugação tão feliz entre a
arte e a natureza em Inhotim
expõe a mais essencial característica da produção contemporânea. De hábito, ela permanece ocultada pela circunspeção
dos propósitos, sempre profundos, solenes e "críticos", pelos
textos, obscuros e pretensiosos, que a rodeiam.
Esse ponto crucial é a frivolidade. Inhotim não deixa dúvida: a arte contemporânea é, antes de tudo, frívola.
Rendas
Frivolidade deve ser levada a
sério. Eram frívolos os jardins
aristocráticos do século 18, os
que a margravina de Bayreuth
mandou traçar para seu Hermitage; os de Sanssouci, em
Potsdam; o "deserto" de Retz
ou o parque de Rambouillet na
França.
Caminhos que serpenteiam,
cheios de surpresas. Natureza
domada para que pareça "natural", sem os inconvenientes da
selvagem. Pagodes, falsas ruínas, pequenos templos, jatos de
água com efeitos que maravilham e pasmam. Arte destinada
a divertir finamente.
Nas bienais, nos museus, as
instalações contemporâneas
vêm enfileiradas, sem graça.
Em Inhotim, elas viraram o que
são: surpreendentes, agradáveis, espirituosas.
jorgecoli@uol.com.br
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