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Ponto de fuga
Repulsa e atração
Jorge Coli
especial para a Folha
Numa sala de cinema, em Paris, a platéia aplaude o final
de "Fahrenheit 11 de Setembro", que conclama a uma posição contra George W. Bush.
Nunca a Palma de Ouro teve um sentido tão diretamente
político. Era menos coroar um filme do que intervir diretamente nas eleições para a presidência dos EUA. Só os
norte-americanos podem votar num líder cujas decisões
terão um enorme peso internacional; parece legítimo, para o resto do mundo, tentar, como fez o júri de Cannes, por
algum meio, influir nessa escolha.
A discussão sobre a excelência cinematográfica de "Farenheit 11 de Setembro" é bem secundária; a crítica já listou suas qualidades e defeitos. Resta o fato de que Michael
Moore, o diretor, explora um sentimento que percorre o
planeta, forte e difuso, de antipatia generalizada contra seu
país. Bush encarna, nos piores atributos, a imagem preconceituosa desenhada sobre os americanos.
O novo filme do realizador egípcio Youssef Chahine,
"Alexandria... New York", ao contrário, tece laços entre as
diferenças. Autobiográfico, enfrenta a aversão instintiva e
o amor inevitável provocados pela cultura americana. É
verdade que expande os sentimentos no tempo e opõe a
elegância antiga de Fred Astaire à brutalidade contemporânea de Stallone. Mas não esconde um fascínio egípcio
pela cultura do Ocidente, recusando afirmar qualquer raiz
oriental. Num jogo irônico, faz os americanos falarem árabe, como os árabes, nos filmes americanos, falam inglês.
As contradições brotam a cada passo... de dança, pois se
trata de um musical. Tudo é muito kitsch e bastante narcisista, mas ferve de energia e de sensibilidade à flor da pele.
Origens - Godard tem invenções esplêndidas, dirigiu
obras insuperáveis, como "O Desprezo" (1963). Lembra,
no entanto, a mulher de César, que não devia apenas ser
virtuosa, mas, ainda, parecer virtuosa. Godard não se contenta em ser gênio, quer parecer gênio também, o tempo
todo, em seus filmes e fora deles. Certas seqüências estéreis na tela, certas declarações superficiais e inconseqüentes, de sua autoria, devem sempre ter um jeito genial e brilhante. Vem repetindo que os cidadãos dos EUA não têm
nome. "Americano não quer dizer nada: os mexicanos e os
brasileiros são também americanos. (...) Não é espantoso
que um país cujos habitantes não têm nome sinta necessidade da História dos outros." Porque não têm nome, os
americanos "não têm raízes, não vêm de lugar nenhum, e
isso lhes dá medo". "Não possuindo uma longa História,
devem buscar (sua origem) nos outros." Foi por causa disso que invadiram o Vietnã e o Iraque. Ótimo raciocínio,
tão original e tão esperto.
Preconceito por preconceito, pode-se tentar aplicá-lo a
outro lugar. À Suíça, por exemplo, já que todo gênio desse
país adere a uma nacionalidade cultural de empréstimo,
renegando a sua própria. Klee tornou-se alemão; franceses
tornaram-se Rousseau, Le Corbusier e Jean-Luc Godard.
Assim, seria justo considerar como verdadeira a tirada de
"O Terceiro Homem", filme de Carol Reed: "O que a Suíça
produziu em 500 anos de democracia? O relógio cuco".
Maluco - Medo, cada um sente de um jeito. Então, lá vai:
"Audition" (2000) é o filme mais aterrador jamais realizado. Insustentável ao olhar. Seu diretor, o japonês Takashi
Miike, foi capaz de dirigir seis filmes num ano, façanha rara desde os tempos de Roger Corman. "Gozu" é de 2003.
Não assusta. Cria um labirinto onde se escondem personagens e situações as mais grotescas, absurdas, hilariantes e
angustiantes ao mesmo tempo. Miike é o único realizador
que merece, hoje, em plenitude e profundidade, o epíteto
de surrealista.
Bons - A crítica cinematográfica anda tão mal-humorada
que desanima. Torceram o nariz para uma delícia de comédia, "Mulheres Perfeitas", de Frank Oz. Sobretudo, desprezaram "Eu, Robô", filme inteligente, muito belo, de ritmo seguro e leve. Alex Proyas, que o dirige, é o autor do
admirável e mítico "O Corvo", no qual Brandon Lee foi
morto acidentalmente por uma arma que não deveria estar carregada com balas verdadeiras.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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