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+ conto
Jorge Mautner
DUAS ALEGRIAS
Eram dois pequenos apartamentos situados no
mesmo andar de um edifício miserável das periferias. Era também um dia de muita chuva. No apartamento da esquerda um jovem de 18 anos
esperava ansiosamente a sua namorada e preparava
com muito carinho o ambiente do seu pobre lar. Limpou pela décima vez a poeira dos poucos móveis de
plástico poluído que possuía e trocou mais uma vez a
água do jarro que continha aquele par de rosas vermelhas que ele comprara barganhando muito com o florista, argumentando que elas estavam quase murchas, e
estavam. Sorriu satisfeito e olhando ansiosamente para
o seu relógio de pulso conferiu a hora da chegada do seu
amor. E pensou "Pronto, está tudo preparado, o nosso
ninho de amor, assim como nos ensina aquele livro japonês sobre a arte de amar. Será que Josefina não vai se
atrasar? Ah! Este trânsito infernal das Megalópolis!".
No apartamento da direita, um homem de 48 anos,
tossindo muito com bronquite crônica, chorava sem
parar derramando muitas lágrimas em cima da fotografia de uma menina de 12 anos e que era sua filha e
que fora assassinada por um casal de sádicos. O assassinato ocorrera há mais de dois anos e a sua filhinha cujo
nome era Dorotéia fora sequestrada pelo dito casal sádico e numa noite de orgia, exatamente dois anos atrás,
fora amarrada na cama e obrigada a fumar crack e em
seguida torturada e estuprada até a morte. Após o crime
o cadáver foi encontrado numa lixeira e como o pai de
Dorotéia era pobre assistiu a impunidade reinar sobre
mais este caso de terrível e hediondo crime.
Naquela noite o pai da menina hediondamente assassinada e cujo nome era José pensava enquanto chorava
segurando o retrato da filha: "Sim, hoje será a noite da
ira sagrada, da vingança justificada, porque, como disse
Jesus de Nazaré, "quem fizer mal a um destes pequeninos que me acompanham melhor seria que amarrassem uma mó de atafona ao redor do seu pescoço e o jogassem no fundo do mar" e também está na Bíblia: olho
por olho, dente por dente, e já que a polícia e a justiça da
terra são inoperantes vou fazer o que meu coração ordena que seja feito!". E fechando os olhos e parando de
chorar sorriu levemente e apertando a fotografia de sua
pequena Dorotéia contra o seu coração, depositou a fotografia em cima da mesa, bem defronte de uma pequena estátua de Nossa Senhora da Aparecida e em seguida
abriu a porta do armário de roupas puídas e velhas e de
lá retirou um revólver de calibre 38 que comprara após
muita economia. Em seguida saiu pela noite e foi procurar os medonhos assassinos. Eram quase seus vizinhos.
Encontrou-os em plena orgia fumando crack desvairadamente e sem piedade descarregou todas as balas do
seu 38 em cima deles. Embora já estivessem mortos,
carregou novamente o revólver comprado a muito custo e descarregou novamente todas as balas nos cadáveres hediondos. E foi com imenso sorriso de alegria que
saiu daquele apartamento do demônio.
No mesmo instante, quando no apartamento da esquerda Josefina a namorada do jovem de 18 anos chegou, e ambos se beijaram, o sorriso da alegria do amor
em seus olhos também brilhou!
Jorge Mautner é escritor e compositor. Sua obra literária completa
está reunida nos três volumes de "Mitologia do Kaos" (ed. Azougue).
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