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O abecedário de Deleuze
Leia trechos extraídos do DVD
E COMO ESQUERDA
Quem jamais acreditou que uma revolução terminasse bem? Quem?... Os ingleses fizeram uma revolução, mataram
o rei etc. E o que tiveram? Cromwell... E o
romantismo inglês é o quê? É uma longa
meditação sobre o fracasso da revolução.
Eles não esperaram (André) Glucksmann para refletir sobre o fracasso da revolução stalinista.... Não se fala jamais
deles, mas os americanos, eles fracassaram com sua revolução... Os americanos
se apresentavam, mesmo antes da guerra
da Independência, como uma nova nação... E, exatamente como os marxistas
contarão com a proletarização universal,
os americanos contarão com a imigração
universal. São as duas faces da luta de
classes... É uma América completamente
revolucionária que anuncia o novo homem, exatamente como a revolução bolchevique anunciava o novo homem... A
revolução americana deu em quem? Deu
em Reagan... Mas que as revoluções fracassem, isso não impede as pessoas de se
tornarem revolucionárias... Os historiadores não falam senão do Futuro da revolução... Mas é como se falássemos
duas línguas diferentes: o Futuro da história e o Devir atual das pessoas não são a
mesma coisa.
H COMO HISTÓRIA DA FILOSOFIA
Muita gente pensa que a filosofia é uma
coisa muito abstrata e para especialistas.
Eu creio e vivo de tal forma a idéia de que
a filosofia não é uma especialidade que
tento colocar o problema de outra forma. Quando se crê que a filosofia é abstrata, a história da filosofia fica também
abstrata... Um filósofo não é alguém que
contempla nem mesmo alguém que reflete: é alguém que cria. Cria um gênero
de coisas de fato especiais: cria conceitos.
O conceito não está pronto, não passeia
pelo céu, não o contemplamos. É preciso
criá-lo, fabricá-lo.
I COMO INFÂNCIA
A atividade de escrever não tem a ver
com o problema pessoal de cada um. A
literatura, a escrita, tem fundamentalmente a ver com a vida. Mas vida é qualquer coisa superior ao que é pessoal... Escrever é sempre se tornar alguma coisa.
Nós escrevemos para a vida e nos tornamos alguma coisa. Escrever é devir, é se
tornar tudo aquilo que se quer, menos
um escritor... Há um devir-infância da literatura, mas não de uma infância em
particular...
P COMO PROFESSOR
A relação que se pode ter com os alunos é ensiná-los a serem felizes com sua
solidão. É ensiná-los a se reconciliarem
com sua solidão... Eu não quis ensinar
conceitos que se tornem escola, mas que
sejam conceitos correntes, não quero dizer comuns, mas sim manipuláveis de
várias formas... A universidade deve ser
hoje um lugar de pesquisa. Não é papel
das universidades se adaptar ao mercado
de trabalho -esse é o trabalho das escolas técnicas.
R COMO RESISTÊNCIA
Eu creio que um dos temas do pensamento é uma certa vergonha de ser um
homem. Creio que o homem, o artista, o
escritor que disse isso mais profundamente foi Primo Levi... "A vergonha de
ser um homem" é uma frase esplêndida,
mas é ao mesmo tempo muito concreta,
nada abstrata. Ele não quer dizer as besteiras que querem que ele diga. Ele não
quer dizer que somos todos assassinos
ou culpados... Não quer dizer que os carrascos e as vítimas sejam os mesmos.
Não nos farão crer nisso, não nos farão
confundir o carrasco e a vítima. A vergonha de ser um homem não quer dizer
que todos sejam parecidos... A vergonha
de ser um homem quer dizer: como os
homens puderam fazer isso? Como homens, que não eu, puderam fazer isso? E,
em segundo lugar, como eu mesmo, sem
me tornar um carrasco, pude pactuar
tanto para sobreviver e carrego essa vergonha de ter sobrevivido no lugar de certos amigos que não sobreviveram? É então um sentimento muito complexo. Eu
creio que na base da arte há esta idéia ou
este sentimento muito vivo de uma certa
vergonha de ser um homem... A arte
consiste em liberar a vida que o homem
aprisionou. O homem não cessa de aprisionar a vida, de matar a vida...
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