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A TERAPIA DE WITTGENSTEIN
Bento Prado Neto
especial para a Folha
O leitor brasileiro dispõe, hoje, de variada bibliografia acerca de Wittgenstein, de livros introdutórios
a comentários mais especializados (a própria tradução
do "Tractatus" pela Edusp já brinda o leitor com uma
belíssima introdução a essa obra). Os quatro wittgensteins aqui listados vêm, assim, menos preencher uma
lacuna do que diversificar as opções de acesso à obra
desse autor. São todos livros introdutórios, que se endereçam em maior ou menor grau ao leitor não especializado.
O "Wittgenstein em 90 Minutos", que se pretende "irreverente e curioso", nos dizeres da quarta capa, é muito fraco e dispensa comentários. Os três restantes divergem no modo pelo qual enfrentam a dificuldade básica
de uma apresentação "da filosofia de Wittgenstein": temos "duas" filosofias de Wittgenstein, uma encarnada
pelo "Tractatus" (a obra de juventude) e a outra pelas
"Investigações Filosóficas" (obra de maturidade e crítica radical da primeira), e cabe então saber que peso deve ser atribuído a cada uma delas na exposição.
O livro de Grayling é o mais equânime. Após uma breve biografia (parece irresistível, numa apresentação da
filosofia de Wittgenstein, evocar a personalidade extravagante do filósofo), o restante do livro é dividido eqüitativamente entre as exposições do "Tractatus" e das
"Investigações". As duas exposições têm aproximadamente o mesmo andamento: uma explicação simples e
acessível da obra, seguida de uma reflexão crítica que
acaba se revelando um tanto simplista, para não dizer
simplória (algo semelhante pode ser dito de sua exposição do "Tractatus").
O livro de Schmitz, por sua vez, privilegia claramente
o "Tractatus". Após a famigerada biografia, dois terços
do restante do livro são dedicados à primeira obra. A
apresentação do "Tractatus" é precedida por uma exposição didática do "pano de fundo" dessa obra, a saber, a idéia de lógica, a história dessa disciplina e as
questões filosóficas que ela suscita. Esse é o fio condutor
que Schmitz propõe para entender não apenas o "Tractatus", mas também a "segunda filosofia" de Wittgenstein, que nos é apresentada na forma de uma procura de
soluções para as deficiências da concepção de "lógica"
da primeira filosofia.
Finalmente, o pequeno livro de Hacker opta pelo "segundo Wittgenstein" e de forma mais drástica. Dessa
vez, não há nem biografia nem menção ao "Tractatus":
o leitor é introduzido diretamente na "concepção radical" de filosofia sustentada por Wittgenstein como "terapia conceitual", e, a seguir, essa concepção é exemplificada pelo tratamento que oferece às "principais questões da filosofia da mente" (pág. 18). Os "exemplos" escolhidos nada têm de inocente: ao percorrê-los, é o próprio nervo das "Investigações Filosóficas" que o autor
pretende nos fazer apreender.
Os dois últimos livros são obras de dois comentadores
"profissionais" de Wittgenstein, mas voltadas para um
público não-especializado. É claro que movimentam
interpretações determinadas e que simplificam em alguma medida, mas fazem-no de caso pensado e de forma hábil. E, caso nada se perdesse da filosofia de Wittgenstein numa breve exposição, isso talvez depusesse
menos a favor do expositor do que contra o filósofo.
Bento Prado Neto é professor na Universidade Federal de São Carlos
e autor de "Fenomenologia em Wittgenstein" (editora UFRJ).
OS LIVROS
Wittgenstein (coleção "Mestres do Pensar"), de A.C. Grayling.
Trad. Milton Camargo Mota. Ed. Loyola (r. 1.822, 347, CEP 04216-000,
SP, tel. 0/ xx/11/ 6914-1922). 157 págs., R$ 12,10
Wittgenstein (coleção "Grandes Filósofos"), de P.M.S. Hacker.
Trad. João Vergílio Gallerani Cuter. Editora da Unesp. 61 págs., R$
10,00
Wittgenstein em 90 Minutos (coleção "Filósofos em 90 Minutos"), de Paul Strathern. Trad. Maria Helena Geordane. Jorge Zahar.
69 págs., R$ 14,00
Wittgenstein (coleção "Figuras do Saber"), de François Schmitz.
Trad. José Oscar de Almeida Marques. Ed. Estação Liberdade. 183
págs., R$ 25,00
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