São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 2010

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Fora da realidade

Para economista, professores devem ter formação específica

DA SUCURSAL DO RIO

As escolas em áreas mais pobres deveriam receber mais recursos e ter professores preparados para lidar com alunos de nível socioeconômico mais baixo, algo que não acontece hoje no Brasil. A conclusão é de Martin Carnoy, professor de educação e economia na Universidade Stanford (EUA) e autor de "A Vantagem Acadêmica de Cuba" (Ediouro/Fundação Lemann, tradução de Carlos Szlak, 272 págs., R$ 19,90), em que compara o sistema cubano com o brasileiro e o chileno.
No livro, ele considera que Cuba se destaca porque tem professores valorizados salarialmente, bem treinados, avaliados constantemente e que sabem o que e como ensinar, apoiados por livros didáticos bem estruturados. Leia, a seguir, trechos da entrevista. (AG)

 

FOLHA - No Brasil, diretores têm pouca autonomia para contratar ou demitir professores. Isso não engessa a gestão?
MARTIN CARNOY
- Nos EUA, os diretores costumam ter essa autonomia, mas, na prática, só escolas em áreas de alto poder aquisitivo conseguem selecionar seus professores. Em bairros mais pobres, poucos querem dar aula, e os diretores acabam ficando com o que sobra.

FOLHA - Tarefas burocráticas tomam tempo precioso dos diretores. Como resolver isso?
CARNOY
- É um problema, mas eu coloco outra questão: no Brasil, mesmo que o diretor tivesse mais tempo para cuidar do pedagógico, será que ele estaria qualificado para isso? Diretores que hoje exercem papel positivo de liderança certamente teriam dificuldade se começassem a demitir e cobrar.

FOLHA - A formação do professor também é um ponto fraco?
CARNOY
- Sem dúvida. Especialmente se considerarmos que jovens que, há 15 anos, não chegavam ao ensino médio, agora chegam. Os professores não foram preparados para ensinar alunos de níveis socioeconômicos mais baixos. Eles não sabem como motivá-los, e não acredito que as universidades estejam formando profissionais de acordo com essa nova realidade.

FOLHA - Mesmo nas piores escolas, há bons alunos que são prejudicados porque a maioria de seus colegas está num nível mais baixo. Deveríamos separá-los?
CARNOY
- Em escolas americanas, é comum separarem os alunos por desempenho. Mas há muito debate sobre o assunto, e os estudos são inconclusos. Se você quer apenas salvar os melhores, colocá-los em classes exclusivas fará com que avancem mais rápido. Mas isso prejudica os piores. Li alguns estudos relatando experiências em Israel, em que os melhores alunos desempenham um papel de tutor dos demais, com efeito positivo sobre todos.

FOLHA - E o que pode ser feito para criar, na escola, um ambiente de comprometimento dos jovens com o estudo?
CARNOY
- É muito mais fácil criar esse ambiente quando os alunos têm a perspectiva de ir para a universidade, o que os leva a se esforçar mais para tirar boas notas. Se você dá aulas num contexto em que os pais nunca estudaram numa universidade, isso é mais difícil.

FOLHA - A escola hoje não está sobrecarregada, com demandas maiores do que ela pode oferecer?
CARNOY
- Se as comunidades fossem mais fortalecidas em áreas pobres, a tarefa de ensinar seria muito mais simples. Outra opção seria transformar a escola no centro dessas comunidades.
Mas, para isso, teríamos que provê-las com muito mais recursos do que damos hoje.


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