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Ponto de fuga
Mestras e mestres
O Festival Richard Wagner de Bayreuth, desde que foi criado em 1876, está nas mãos da família Wagner -que, numerosa, sempre se entre-devorou
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
O Festival Richard Wagner de Bayreuth, desde
que foi criado, em 1876,
está nas mãos da família Wagner. Winifred, a nora do compositor, íntima de Hitler ao
ponto de fornecer-lhe o papel
de que ele precisava na prisão
para escrever "Mein Kampf", e
cuja filharada chamava esse
bom Adolf de "tio Wolf" (lobo),
foi sua diretora durante os anos
do nazismo.
Safou-se bem das depurações no pós-guerra. Syberberg
captou, em 1976, cinco horas
de depoimentos impressionantes feitos por ela, que foram publicados em DVD (encontrado
em www.syberberg.de, legendas em inglês). Winifred
não renega nada. Declara que
se sentiria feliz se Hitler entrasse de novo pela porta de
sua casa.
Depois de seu julgamento,
abdicou em favor dos dois filhos: Wieland, que foi o genial
renovador das montagens wagnerianas, e Wolfgang, ótimo
administrador e formidável diplomata, que tratou de ocultar
o negro passado. Arte e política
não se misturam, era seu lema.
Medíocre encenador, Wolfgang teve o mérito de abrir-se a
concepções de vanguarda. Durante 57 anos, desde 1951, agarrou-se ao poder "como o gnomo Alberich ao seu ouro", escreveu o crítico do "New York
Times", aludindo a um personagem de Wagner.
Agora, chegando aos 89, depois da morte de sua segunda
mulher, retira-se. O embate pela sucessão se inicia.
Liça
A família Wagner, numerosa,
sempre se entredevorou. No
conselho da fundação, em princípio soberano, Wolfgang apóia
sua caçula, Katharina, de 30
anos, que toma poses de top
model para as fotografias.
Wolfgang rompeu com o filho mais velho, Gottfried, que
assumiu a consciência culpada
do clã. Também afastou a descendência do irmão Wieland,
mas sua sobrinha Nike resiste e
candidatou-se. Katharina se
aliou a sua meia-irmã, Eva, hoje
com mais de 60 anos.
É plausível que seja essa a
chapa vencedora em setembro,
quando o certame se decidirá.
Musa
Katharina Wagner fez sua
primeira montagem no palco
augusto de Bayreuth com nova
versão de "Os Mestres-Cantores de Nuremberg". Partiu de
uma idéia sedutora que inverte
o sentido da ópera.
"Os Mestres-Cantores", uma
comédia sobre a criação artística, opõe a invenção solta da juventude às convenções que
abafam a inspiração na maturidade. Nos dois extremos estão
Walther, o jovem, e Beckmesser, o conservador. Guiado pelo
sábio Hans Sachs, Walther disciplina suas energias sem perdê-las, enquanto Beckmesser,
que rouba desastradamente algumas anotações do jovem, cria
uma canção ridícula, vaiada
num concurso final.
Katharina Wagner faz com
que Walther, ao adaptar-se às
normas, acomode-se, e seu sucesso signifique compromisso.
Beckmesser, ao contrário, se
metamorfoseia em criador revolucionário, cuja recusa pelo
público é a garantia de sua originalidade.
Pena
Se a idéia é boa, o espetáculo
é bem menos. Todos parecem
meio perdidos no palco; as soluções são grotescas; as alusões,
ou indecifráveis ou simplórias.
O apogeu é uma sarabanda
desmistificadora e feminista.
Grandes personagens da cultura alemã, como Wagner e Bach,
são apresentados com máscaras enormes. Eles criam chifres, que se transformam depois em pênis. O maestro Sebastian Weigle rege com imprecisão indiferente. Os cantores foram escolhidos por Katharina Wagner antes por suas
qualidades teatrais do que vocais, o que por vezes leva a música à beira do desastre.
Katharina Wagner enfrentou
as vaias do público com um sorriso imperturbável.
jorgecoli@uol.com.br
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