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Entrevista Martín Redrado
Cristina tem de dialogar com credor e deixar de improvisar
Ex-presidente do BC argentino diz que crise da dívida tem solução, mas que é preciso uma negociação inteligente
O economista Martín Redrado conquistou a admiração do mercado ao renunciar a presidência do banco central argentino por se recusar a cumprir as ordens da presidente Cristina Kirchner.
Ele afirma que o governo de seu país precisa "profissionalizar" a negociação de suas dívidas com os credores e parar de "improvisar".
"Não é possível negociar pela TV. Diria à presidente para calar a boca por um tempo. Essas negociações têm que ser feitas longe das câmeras", disse Redrado à Folha.
Na sexta-feira (20), Cristina afirmou que quer "condições justas para pagar 100% dos credores". Foi a primeira declaração conciliadora em muitos anos.
Alguns fundos não aceitaram a renegociação da dívida argentina após o calote de 2001 e recorreram à Justiça dos EUA, que decidiu agora que o governo deve pagá-los antes de quitar as parcelas da dívida já negociada.
A situação pode levar o país a um novo calote no dia 30, quando vencem os juros da dívida. Redrado diz que o "default" não é inevitável, mas que é preciso negociar com todos os envolvidos. "A economia argentina não tem condições de dar o calote."
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Folha - O governo argentino disse que não vai pagar os juros da dívida que vencem no dia 30. O calote é inevitável?
Martín Redrado - Não. A economia argentina não tem condições de dar um calote. É necessária uma negociação inteligente, profissional, com todos os envolvidos. Há muita improvisação, idas e vindas. Estou convencido de que não se negocia por meio da televisão, mas com posições firmes e num marco correto.
Se estivesse no governo, como conduziria o processo?
Sem dúvida, tem que profissionalizar. Diria à presidente que cale a boca por um tempo e não fale mais em cadeia nacional. E ao ministro da Economia que não faça mais coletivas de imprensa e busque a convergência.
Todos têm que flexibilizar sua posição. Os credores que ficaram de fora não vão receber 100%, mesmo tendo uma decisão judicial que os ampare. Os detentores dos títulos da dívida já renegociada têm que colocar parte dos seus lucros sobre a mesa. Com isso, o governo teria uma oferta para satisfazer todas as partes.
Essas negociações têm que ser feitas numa sala em Manhattan, longe das câmeras.
Na sexta-feira, a presidente Cristina Kirchner disse que quer pagar todos os credores. O que o senhor achou do pronunciamento?
O que estou dizendo é que não se negocia pela televisão. O que ocorreu na sexta não foi uma posição negociadora, mas conciliadora. É a primeira vez que a presidente fala que vai pagar todos os credores. Em 2012, ela disse que não íamos pagar nem US$ 1 e que não acataríamos a decisão da corte de Nova York. Quanto tempo perdemos e quanto isso prejudicou a Argentina?
A Argentina não pode negociar com os credores que ficaram de fora sem estender as mesmas condições àqueles que aceitaram a renegociação. E, para isso, não há recursos. É um beco sem saída?
Sempre há saída. Podemos trazer para a mesa os detentores de bônus que correm o risco de não receber seus juros.
Também podemos negociar com um banco de investimento que compre a dívida dos fundos que estão em litígio. Dessa maneira, a negociação não seria extensiva a todos os credores.
Qual é a sua opinião sobre a estratégia do ministro da Economia, Alex Kiciloff, de pagar a dívida na Argentina em vez de depositar os recursos em Nova York para evitar o bloqueio?
Outra improvisação. O governo vai mudando de ideia à medida que horas passam.
O Banco Central argentino se preparou para essa situação?
Deixei um BC com capacidade para atender qualquer contingência. Tinha US$ 50 bilhões de reservas internacionais e uma relação entre pesos e reservas de 3,9.
Agora é preciso multiplicar as reservas por 13 para cobrir os pesos em circulação. Não só gastaram as reservas como quintuplicaram a emissão de moeda. O BC está vulnerável.
E, se conseguirem acordo, será parecido com o da Repsol [que cobrava indenização pela estatização da YPF], para o qual emitiram dívida para o ano de 2024. Ou seja, passaram a responsabilidade para as futuras gerações.
Qual seria o impacto de um calote para a economia?
O calote vai gerar menor disponibilidade de divisas, menos produção e menos emprego. Será um freio ainda mais forte numa economia que deve encolher 1,8% neste ano. O ciclo está se esgotando, com o governo sem capacidade para resolver a falta de crescimento, a altíssima inflação e a baixa geração de emprego. Um calote vai aprofundar a estagflação.
E o Brasil? Como será afetado?
As exportações do Brasil para a Argentina vão cair, mas o impacto será pequeno. Não há um canal financeiro de contágio. Os investidores diferenciam bem o "risco Brasil" do "risco Argentina".
A Argentina negociou com o Clube de Paris e com a Repsol. Esse esforço foi perdido?
A Argentina estava jogando uma ficha muito importante com essas negociações e ao buscar um índice de inflação mais confiável. São passos para ganhar credibilidade e voltar ao mercado de capitais. Um calote pode colocar tudo a perder.
A decisão do juiz americano coloca em risco todas as negociações de dívidas dos países?
É imperioso incluir nas emissões de dívidas soberanas uma cláusula que permita fechar uma renegociação com dois terços dos credores.