Cifras & Letras
Livro esmiúça vida de Keynes e deixa de lado a economia
Historiador detalha vida amorosa e contexto de formação de biografado
Sopa, peixe, peru, perdiz, pudim de ameixa e patê de foie gras, regados a vinho, champanhe e café, integravam o cardápio do banquete organizado por Keynes para os festejos de Natal em Eton em 1901.
Essa é uma das deliciosas inutilidades com que é brindado o leitor de "Universal Man "" The Seven Lives of John Maynard Keynes" [Homem universal, as sete vidas de John Maynard Keynes].
Há muitas outras. Ficamos sabendo, por exemplo, que o médico de família que acompanhou o nascimento do por muitos considerado o maior economista do século passado era um sujeito magricelo, que tinha como hobby a corrida de longa distância.
Centenas de páginas (e décadas) mais tarde, surge a imponente revelação de que o pai do intervencionismo do Estado na economia tinha profunda aversão por mãos de unhas roídas.
Em contrapartida, não há mergulhos aprofundados nos tratados econômicos produzidos por Keynes (1883-1946). Menos ainda em intrincadas teorias envolvendo juros, dívidas estatais, medidas fiscais e padrões monetários.
Não é esse o objetivo do livro, deixa claro o premiado historiador e biógrafo britânico Richard Davenport-Hines, autor de biografias de W. H. Auden e Marcel Proust.
Ele deliberadamente exclui a palavra "economista" dos títulos dos capítulos que abordam as tais "sete vidas" de Maynard, que o tornam um "homem universal", de muitos interesses e saberes.
"Keynes era um tipo de homem mais comum nos séculos 16, 17 e 18 do que no século 20; suas ardentes curiosidade, inteligência, imaginação e atividade eram dirigidas a quase todos os aspectos da humanidade. Isso modelou o economista que ele se tornou", diz o autor, deixando claro o entusiasmo que tem por seu personagem.
AMANTES
Para apreender a grandeza do economista, acredita Davenport-Hines, há que conhecer sua trajetória, as influências que o moldaram, o ambiente em que se movia, os prazeres que o seduziam.
Assim, ao lado do Keynes altruísta e menino prodígio, uma das facetas que emergem é a de amante. Até casar com a bailarina russa Lydia Lopokova, já com mais de 30 anos, Maynard teve uma fieira de namorados.
Sustentou romances mais longos com o pintor escocês Duncan Grant e o escritor Lytton Strachey. Mas não se avexava de descer às ruas de Londres para caçar amantes eventuais.
Na sua vida sexual, manteve cacoetes de economista, fazendo listas e gerenciando estatísticas. Por isso se sabe que seu primeiro caso com um garoto ocorreu em 1901 e que teve 65 encontros românticos de fevereiro de 1909 a fevereiro de 1910.
Sem as experiências sexuais daquele período, afirma o autor, Keynes "não teria desenvolvido tão bem sua humanidade, sua abertura para os outros e sua empatia". Supostamente, sua produção também se beneficiou dos romances: parte de "Tratado sobre Probabilidades" foi escrita durante breve lua de mel com Grant.
Ainda que otimista de modo geral, Keynes nem sempre estava satisfeito ao ver que as coisas não obedeciam à ordem que desejava.
"O Tesouro está me deixando deprimido. Estou trabalhando demais, detesto e desprezo esse governo. Preciso dar um jeito de cair fora", disse ele em 1917, em pleno fogo da Primeira Guerra Mundial.
Ficaria ainda até o fim do conflito, mas acabou se desligando de forma ruidosa do comitê multilateral que discutia compensações e punições econômicas do pós-guerra --a experiência foi essencial para a produção do incensado "As Consequências Econômicas da Paz".
Com declarações de figuras como a novelista Virginia Woolf e o pensador Bertrand Russell, trechos de discursos e frases pinçadas em cartas, Davenport-Hines guia seu leitor pelos bastidores da obra de Keynes. Ao mesmo tempo, dá pinceladas sobre o espírito de seu biografado e traça um colorido retrato dos costumes e da política na primeira metade do século 20. Vale a pena conhecer.
"UNIVERSAL MAN"
AUTOR Richard Davenport-Hines
EDITORA William Collin
QUANTO US$ 14,30 na Amazon (432 págs.)
AVALIAÇÃO Bom