São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2011

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MARCELO NERI

Colhendo o fim da pobreza


A pobreza caiu 16% no ano passado e 67,3% desde a criação do real; falta ainda um terço do caminho

OS ÚLTIMOS 17 anos foram históricos nas conquistas tupiniquins. O Brasil passou por sucessivas e cumulativas transformações, somos hoje maiores e melhores do que éramos no passado. O Brasil de 2010 não cabe no de 1994.
Esse período de desenvolvimento, ou de saída do envelope, como diriam os franceses, corresponde ao final do governo Itamar e aos dois mandatos de Fernando Henrique e aos dois de Lula.
Há dificuldade de medir as mudanças sociais, seja no período como um todo, seja ao dividir o quinhão de mudanças entre períodos dos governantes. Isso porque a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE) não foi a campo colher os resultados sociais em 1994 e em 2010. O final de 1994 é o marco zero da era FHC e 2010 demarca o fim da era Lula.
A quebra de safra pnadiana de 1994 foi por restrições fiscais da Fazenda. Em 2010, não houve Pnad pelo fato de o IBGE estar absorvido no hercúleo trabalho de campo do Censo. O Censo é uma pesquisa bem diferente, uma espécie de abacaxi, muito saboroso, mas cheio de espinhos metodológicos e só colhido ao final das décadas.
Procuramos aqui suprir essa lacuna das séries de pobreza baseadas em renda com microdados da Pesquisa Mensal do Emprego (PME/IBGE). No debate social dos últimos 20 anos, todas as inflexões de pobreza foram inicialmente percebidas pela PME (vide www.fgv.br/cps/debate).
A PME, por ter questionário e cobertura geográfica mais restritos, não permite inferências comparáveis às da Pnad, um caso clássico de laranjas com bananas. Por força da frequência mensal da PME, podemos completar as séries da Pnad, comparando nas lacunas bananas com bananas.
As usuais interpolações entre anos adjacentes aos anos faltantes não são satisfatórias nesse caso.
Pois 1994 e 2010 são pontos de mutação das tendências sociais. Àqueles ávidos por beber a sua laranjada a PME ensina que entre a taça e os lábios existem vários percalços. Senão vejamos. Da hiperinflação de 1993 à primeira colheita pnadiana pós-real, em 1995, não há reta, mas uma curva em forma de sino. Na comparação isenta de sazonalidades entre as épocas das safras pnadianas de setembro, de acordo com a PME, a pobreza sobe 6,6% entre 1993 e 1994 e cai 16,9% de 1994 a 1995.
Se incorporarmos o efeito instantâneo do real de redução do imposto inflacionário, incidente em particular sobre a moeda dos pobres, o último número sobe para 22%. A maior queda de pobreza ocorrida entre 1993 e 1995, 13,9%, foi sob FHC.
Aí entra o período de crises externas, em que a pobreza cai 7% pela Pnad até o fim da era FHC, cujo cômputo geral seria queda de 20%.
Se contarmos desde a data do real até 2002, a queda é de 31,9%. Já no governo Lula, falta completar a série depois de setembro de 2009, data da última Pnad. A queda de pobreza entre setembro de 2009 e setembro de 2010 foi de 11,82%. De dezembro de 2009 a dezembro de 2010, a pobreza caiu 16,3% -sendo 8,7% nos quatro últimos meses.
Pelo cômputo só da PME, a pobreza cai 50,64% entre dezembro de 2002 e dezembro de 2009. Já na combinação PME-Pnad, a pobreza cai 51,9% na era Lula.
Esse ponto merece ser ressaltado, pois a primeira Meta do Milênio da ONU é reduzir a pobreza 50% em 25 anos (de 1990 a 2015). Ou seja, na métrica da ONU, o Brasil fez 25 anos em oito. Isso já incluindo o aumento de pobreza durante a recessão de 2003, quando resultados mais auspiciosos estavam sendo plantados.
Serra talvez agora discuta quem plantou a árvore e quem colheu os frutos. E que dá para plantar mais e colher mais. Marina vai olhar toda a floresta e dizer que a pobreza caiu 67,3% desde o real.
Já a nova presidente sabe, por dever de ofício, que os frutos mais baixos já foram colhidos. A sugestão é fazer em menos tempo bem mais que a meta da ONU, combinando o horizonte de tempo do começo dos anos 1990 até 2014 com a sua ambiciosa meta de erradicar a pobreza.
Sabendo que falta o terço mais difícil para o fim do caminho.

MARCELO NERI, 47, é economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, na FGV.
Internet: www.fgv.br/cps
mcneri@fgv.br


AMANHÃ EM MERCADO:
Gustavo Cerbasi


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