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Clóvis Rossi
Síria, ausente mais que presente
Cúpula do G20 não fala do país em guerra no seu documento final, mas é o tema que não quer calar
Cúpulas, especialmente as que envolvem as grandes potências, são animais curiosos --e, pior, impenetráveis.
Tome-se a oitava cúpula do G20, que começa hoje em São Petersburgo. Participam chefes de governo das 20 maiores economias do planeta, mais seis convidados especiais, escolhidos pela anfitriã, a Rússia (Brunei, Etiópia, Espanha, Cazaquistão, Senegal e Cingapura).
Os temas, segundo o folheto distribuído pela Presidência russa, deveriam ser "crescimento por meio de empregos de qualidade e investimento; crescimento por meio de confiança e transparência; crescimento por meio de efetiva regulação" (neste caso, dos mercados financeiros).
Na vida real, ao menos nos países desenvolvidos, empregos de qualidade são coisa rara. Confiança é zero, ao menos entre o líder da única superpotência remanescente, Barack Obama, e o anfitrião, Vladimir Putin.
Tanto que Putin classificou ontem de "rumores e conversas" as provas que os Estados Unidos e seus aliados dizem ter a respeito do uso de armas químicas por parte da ditadura de Bashar al-Assad na guerra civil síria.
Transparência, então, nem se fala. Os líderes estão confinados em uma vila à qual não têm acesso direto nem mesmo os assessores de segundo escalão. O centro de mídia fica no mesmo distrito (Strelna) mas não há a mais remota hipótese de chegar a ver (já nem digo falar com) algum deles, salvo se se dispuser a convidar os repórteres a visitá-lo.
Curiosamente, os chineses, geralmente os mais fechados, preferiram à vila presidencial ficar em um hotel central, o Corinthia. É nele que, hoje, Xi Jinping recebe Dilma Rousseff, o que abre a primeira, talvez última oportunidade, de ver e falar com a presidente.
É natural, nesse ambiente fechado, que os negociadores do documento final não tenham até ontem à tarde ouvido a palavra Síria, em suas intermináveis discussões de vírgulas e parágrafos.
É o principal tema da atualidade internacional, ocupa o noticiário de todas as televisões globais, será certamente levantado por Putin ao fazer o discurso inaugural, mas os negociadores seguem o livrinho: discutem economia, como determina o mandato recebido.
Cumprem religiosamente o papel de "sherpas", como são chamados os representantes pessoais dos governantes. É uma alusão aos guias do Himalaia, que ajudam os alpinistas a chegar aos cumes desejados. Aqui, como em todas as cúpulas, o cume é o documento final que os líderes assinarão amanhã, como se eles próprios tivessem discutido um e todos os detalhes.
Síria, portanto, não entra no comunicado final, todo ele econômico e sem grandes novidades em relação à cúpulas anteriores.
Novidade mesmo a Folha já contou: a preocupação dos emergentes com o fim da farra de dinheiro fácil nos Estados Unidos, que, sim, estará presente no texto, mas, como queria o Brasil, sem dar a impressão de que estão em pânico.
O pânico fica para o assunto (Síria) que não quer calar, o ausente mais que presente.