Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Mundo

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Minha História - Roy Hallums, 65

Lembranças do cárcere

Americano que ficou mais de 300 dias em cativeiro no Iraque diz estar feliz com soltura de sargento pelo Taleban e evita polêmica sobre ele

RESUMO Em novembro de 2004, o americano Roy Hallums foi sequestrado no Iraque. Passou 311 dias em poder do grupo de sequestradores, que exigia um resgate de US$ 12 milhões, até ser libertado por militares dos EUA. Hoje, acompanha de Memphis, onde vive, a libertação do sargento Bowe Bergdahl, que ficou cinco anos em poder do Taleban. A troca de Bergdahl por cinco acusados de terrorismo causou polêmica nos EUA.

(...) Depoimento a

ISABEL FLECK DE NOVA YORK

O helicóptero foi o que me chamou a atenção: um Black Hawk, mesmo tipo usado no meu resgate, em setembro de 2005. Quando vi o vídeo do sargento [Bowe Bergdahl] sendo solto [no último fim de semana], me lembrei do dia em que aconteceu comigo. As cenas foram muito parecidas. Você não consegue acreditar que seja verdade, que alguém finalmente te libertou.

Nunca tive dúvidas de que os militares iriam me resgatar. Tinha servido à Marinha por 20 anos, sabia como as Forças Armadas funcionavam e que eles continuariam procurando por mim.

Só que no meu caso, não houve troca. Eu já estava no cativeiro havia 311 dias, quando numa manhã ouvi o barulho do helicóptero. Logo depois, um soldado americano entrou no quarto em que eu estava, me apontou o dedo e disse: "Você é o Roy? Vamos, nós vamos tirar você daqui".

Sempre soube que o Iraque era um local perigoso e tinha medo; eu e meus colegas tentávamos ser bem cautelosos.

Eu trabalhava para uma empresa saudita que fornecia alimentos para o Exército dos EUA no país. O local do meu escritório era para ser uma das áreas mais seguras de Bagdá, a três quadras da Zona Verde. Tínhamos seis seguranças no térreo. Todos carregávamos armas e tínhamos colete à prova de balas.

Lembro que, no dia em que fui sequestrado, era cerca de 18h30 de um dia do mês do Ramadã, então todos esperam até o pôr do sol para o jantar. Eu ainda estava no meu escritório, trabalhando, quando quatro homens armados e encapuzados entraram lá com armas, ordenando que eu fosse junto com eles ou me matariam. Me vendaram e me jogaram dentro de um carro.

Eram parte de um grupo de criminosos, não acho que fossem ligados a uma rede como a Al Qaeda. Era uma gangue de umas 20 pessoas, todas da mesma família --alguns deles ex-membros da guarda de Saddam Hussein.

Me sequestraram por dinheiro: queriam US$ 12 milhões para me libertar, porque eu era americano.

Nas seis semanas seguintes, me levaram de um cativeiro a outro no porta-malas de um carro, sempre às sextas. Fui levado até para uma mesquita. Só na última casa, 18 milhas (30 km) a sudoeste de Bagdá, é que fiquei mais tempo: oito meses e meio.

Por todo esse tempo, fiquei trancado num quarto escuro. Não via nada que estivesse a um palmo do meu rosto. Não dava para saber se era dia ou noite. Eu tinha uma noção das horas pelas orações que eles faziam: cinco ao dia.

Ficava com as mãos e os pés amarrados o tempo inteiro. A comida era pouca e ruim. Eles geralmente me davam só um punhado de arroz, às vezes um pedaço de frango ou de carne de carneiro, com um pequeno copo de chá ou água. No máximo duas vezes ao dia. Às vezes, só uma.

O único dia em que saí daquele quarto foi para gravar o vídeo [enviado para o governo americano], em janeiro de 2005. Era a primeira prova de que eu estava vivo.

Mas eu não queria fazer aquele vídeo, não gosto dele, até hoje não vejo. Eu sabia que a minha família assistiria a ele e ficaria preocupada.

Os criminosos me deram um texto para ler, com um inglês muito ruim. Fiz questão de não mudar em nada o que eles escreveram, porque sabia que alguém na minha família ou no FBI [polícia federal americana] perceberia que eu não falo daquele jeito.

Eu não cheguei a ficar sozinho no cativeiro. Numa época, havia dez reféns no mesmo cômodo --entre jornalistas estrangeiros, tradutores e empresários--, mas não podíamos conversar entre nós.

À noite, sussurrávamos para que os sequestradores não ouvissem, então pude saber um pouco sobre os outros reféns. Mas era perigoso.

Só dois dos sequestradores falavam inglês. Eles carregavam fuzis AK-47 e pistolas de 9 mm e eram violentos, ameaçavam nos matar o tempo inteiro. Sempre tive medo, porque você nunca sabe o que eles podem fazer: se você vai ter mais cinco minutos ou mais cinco dias de vida.

Eu tentava pensar em coisas que me tirassem daquele quarto --como seria estar na minha casa, em Memphis, ou viajar até a Califórnia para encontrar a minha filha. Só queria falar com as minhas duas filhas uma vez mais.

RESPEITAR O TEMPO

Acho que libertar um prisioneiro é a coisa mais importante a ser feita. Por isso, estou feliz por [Bergdahl] e sua família. Sei o tipo de situação terrível que eles enfrentaram.

Sei que há muita discussão sobre como ele foi capturado e como foi sua soltura, mas acho que isso será debatido pelos próximos dois anos.

Agora, ele também precisa se recuperar. Quando fui libertado, estava muito fraco, precisei de ajuda para caminhar. Perdi 18 quilos no cativeiro. Queriam que eu fosse para a Alemanha, no mesmo hospital em que o sargento está sendo tratado. Eu não quis. Insisti que queria voltar logo para minha família.

Se pudesse dar um conselho ao sargento agora, diria para ele respeitar o seu tempo, porque demora até você voltar à vida normal. Não tentar apressar as coisas nem tomar grandes decisões.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página