Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Brasil abre mão de presidir banco dos Brics
Nova instituição, anunciada em encontro de emergentes em Fortaleza, terá sede na China e chefia de indianos
Brasil vai indicar o próximo presidente, em cinco anos; grupo faz crítica a unilateralismo e condena espionagem
O Brasil teve de ceder à Índia e abrir mão da presidência do Novo Banco de Desenvolvimento dos Brics para tirar a instituição do papel.
A presidente Dilma Rousseff anunciou nesta terça (15), ao final da cúpula dos Brics, a fundação do banco, com US$ 50 bilhões de capital para financiar projetos de infraestrutura nos Brics e em outros países em desenvolvimento, montante que pode chegar a US$ 100 bilhões.
Para comparação, o brasileiro BNDES tem US$ 334 bilhões em ativos, e o Banco Mundial tem US$ 324 bilhões.
"O banco dos Brics é sinal dos tempos", disse Dilma. "Os tempos exigem um novo arcabouço financeiro mundial, com a reforma de FMI e Banco Mundial e a criação do banco dos Brics e do Arranjo Contingente de Reservas".
Dilma reforçou que a cúpula de Fortaleza deu "passos mais concretos" rumo à institucionalização do bloco, após longa discussão. Mas o banco mostrou as dificuldades de chegar a acordo entre cinco países tão diferentes.
A Índia exigia ter a sede do banco em Nova Déli. Mas a China insistiu em tê-la em Xangai. O governo brasileiro dizia que o Brasil seria o primeiro a presidir o banco. Mas, no final, teve de abrir mão.
"O importante era fazer o banco acontecer, o resto é secundário", afirmou uma fonte do governo envolvida nas negociações. "A Índia não ia arredar o pé, nem a China."
Como os cinco países terão sete anos para injetar o capital no banco, o Brasil avalia que a primeira presidência da instituição será mais burocrática do que prática.
A criação do banco depende agora da aprovação dos Congressos dos países. O governo brasileiro trabalha com a expectativa de a instituição começar a operar em 2016.
A solução foi salomônica. A China ganhou a sede, o que, para Pequim, tem forte significado político --sediar um banco multilateral é uma forma de mostrar a solidez do sistema financeiro do país, alvo de dúvidas. A Índia indicará o primeiro presidente.
A África do Sul ganhou o escritório regional (o segundo escritório regional será no Brasil). A Rússia fica com a presidência do conselho de ministros, que vai supervisionar as diretrizes do banco, instância mais simbólica.
E o Brasil ficou com a chefia do Conselho de Administração. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o conselho decidirá planos de investimento e expansão, entrada de novos membros e alavancagem do dinheiro.
O mandato do presidente é de cinco anos. Depois da Índia, o Brasil ocupará a presidência, seguido de Rússia, África do Sul e China.
Em entrevista coletiva, Dilma minimizou a importância de o Brasil perder a presidência do banco para a Índia. "A Índia foi quem propôs a criação do banco. Nada mais justo que detivesse a primeira presidência", afirmou. Mantega foi na mesma linha.
Os chefes de Estado também formalizaram o Arranjo Contingente de Reservas, um tipo de fundo de salvaguarda para os países do bloco.
Esse fundo "emergencial" de US$ 100 bilhões poderá ser acionado em caso de pressão nos balanços de pagamento dos países-membros. Os líderes anunciaram ainda a criação de um fundo especial de investimento, gerido pelo banco dos Brics, mas com maioria de capital chinês.
OUTROS TEMAS
Após plenária, os líderes divulgaram a "Declaração de Fortaleza", que destaca já no segundo parágrafo o compromisso do grupo com o multilateralismo e a importância da ONU --crítica indireta a intervenções externas em crises domésticas, como na Síria.
O tema é novamente abordado mais à frente no texto da declaração, que inclui condenação a sanções internacionais, como as que a Rússia vem sofrendo por parte de EUA e União Europeia pela anexação da Crimeia.
A guerra civil na Síria é assunto do mais longo dos 72 parágrafos da declaração. Embora o texto defenda o diálogo como única solução possível e condene violações de direitos "de todas as partes", há um ligeiro tom de apoio ao regime sírio: "Reconhecemos as medidas práticas tomadas pelas partes sírias", afirma.
O conflito Israel-palestinos também foi incluído, em vista da escalada de violência em Gaza. Nesse caso, o apoio pende para os palestinos. O documento condena a construção de assentamentos israelenses nos territórios ocupados, mas não os foguetes lançados de Gaza contra Israel.
Sem citar nominalmente os EUA, a declaração faz uma crítica indireta ao programa de espionagem americano. "Condenamos fortemente os atos de vigilância eletrônica em massa e a coleta de dados de indivíduos em todo o mundo", afirma o texto. (PATRICIA CAMPOS MELLO, MARCELO NINIO, ANDRÉ UZÊDA E SOFIA FERNANDES)