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Crise ameaça amputar parte da Espanha
Eleitores da Catalunha decidem hoje se querem, futuramente, fazer um referendo sobre sua independência do país
Candidato à reeleição, líder catalão pede 'maioria excepcional'; espanhóis temem que instabilidade aumente
Lluis Gene/AFP | ||
Líderes pró-separação durante comício em Barcelona, anteontem; ao fundo, simpatizantes reproduzem a bandeira catalã |
A crise econômica aparentemente inesgotável consumiu nos últimos cinco anos 3,5 milhões de empregos na Espanha. Fez também subir a patamares insuportáveis os juros para rolar a dívida. Como se fosse pouco, agora ameaça amputar um pedaço do país, sua parte nordeste, a rica e charmosa Catalunha.
Hoje, 5,4 milhões de eleitores catalães dão o que pode ser o primeiro passo para a futura convocação de referendo sobre a independência.
Formalmente, o voto é apenas para eleger o novo presidente da Generalitat, o governo catalão, já que o atual, Artur Mas, eleito em 2010, decidiu antecipar o pleito que, em teoria, seria apenas em 2014.
E agregou à convocatória um apelo para que os catalães lhe deem "uma maioria excepcional" para que possa, a partir dela, preparar o referendo de independência para algum momento dos próximos quatro anos.
Ou seja, a Catalunha não vai decidir hoje se quer a independência, mas vai decidir se quer ou não o direito a decidir, futuramente, se se separa ou não da Espanha.
Por isso mesmo, o presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, óbvia e furiosamente contra a independência, rotulou o voto de hoje como "mais importante que a eleição geral".
Tem razão: se o apelo de Mas for atendido pelo eleitorado, abre-se um período de instabilidade que é tudo o que a Espanha não precisa num momento de auge da crise e da pressão dos mercados.
Pior: se há controvérsias sobre se a Catalunha ganharia ou perderia com a independência, é certo que a Espanha perderá com a amputação de um pedaço de quase 20% da sua economia.
O que a crise tem a ver com a proposta de independência? Tudo. A coligação que Mas comanda (CiU ou Convergència i Unió) governou a Catalunha em todos os 35 anos que a Espanha leva de democracia, exceto um breve intervalo entre 2003/10.
Nunca propôs a independência, embora tenha sempre defendido a ampliação cada vez maior das competências do governo regional.
Agora, "a crise rompeu todos os equilíbrios existentes", escreve Carles Guell de Sentmenat, político centrista, contra a independência.
Quais as chances de Mas obter uma "maioria excepcional"? Aí, entra-se em terreno minado porque não se sabe se ele se refere ao voto exclusivamente na CiU ou em todos os grupos soberanistas.
A pesquisa mais recente dá a Mas apenas 62 cadeiras no Parlamento, número idêntico ao que obteve em 2010 e abaixo da maioria absoluta dos 135 lugares. "Será um grande fracasso de Mas se não obtiver a maioria absoluta", diz Xavier Vidal-Folch, colunista de "El País", orgulhosamente catalão, mas desconfiado dos nacionalismos.
O que complica a conta é que as pesquisas também apontam crescimento de duas outras forças políticas pró-independência (ERC, Esquerra Republicana de Catalunya, e SI, Solidaritat Catalana per la Independència). Os três grupos a favor da soberania teriam 82 cadeiras, bem acima das 68 que formam a maioria absoluta.
Nesse cenário, caberia aos radicais do ERC marcar o passo até o referendo, em vez dos moderados da CiU. Significaria evitar a indispensável negociação com o governo central para que a consulta sobre independência possa de fato se realizar só na Catalunha. A lei espanhola prevê que referendos do gênero envolvam todos os eleitores, não só os da comunidade interessada.
A independência pode estar longe, mas um bocado de confusão estará servido já na noite de domingo.