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Petróleo russo pode ser antídoto para crise no golfo
PATRICK E. TYLER
DO "THE NEW YORK TIMES"
Por trás da decisão que o presidente George W. Bush terá de tomar sobre lançar ou não uma
guerra contra o Iraque está um
conjunto de cálculos que deveria
ser conhecido como "realpolitik"
do petróleo. E a Rússia está no
centro deles. Desde 11 de setembro, especialistas petrolíferos e
políticos, incluindo o presidente
russo, Vladimir Putin, têm se esforçado para apresentar a Rússia e
seu crescente setor energético como o antídoto estratégico à ameaça de outro choque do petróleo.
Os grandes receios são de uma
guerra no Oriente Médio ou de
uma iniciativa contra os interesses ocidentais orquestrada pela
Arábia Saudita e pelos pesos-pesados do golfo Pérsico na Opep
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Muitas empresas petrolíferas dizem que o
óleo do Oriente Médio já está custando entre US$ 3 e US$ 5 acima
do preço, devido aos temores de
uma guerra.
Mas, desde 11 de setembro, a
Rússia vem empreendendo uma
migração estratégica rumo ao
Ocidente, migração essa que reforça a visão da Rússia como parceira crítica do Ocidente. E essa
novidade está modificando a psicologia, tanto do mercado quanto
da geopolítica.
Nem Bush nem Putin teriam a
descortesia de afirmar que ele
vem preparando uma apólice de
seguro contra aliados. Mas, mesmo que a lealdade e as alianças se
conservem entre Washington e
seus amigos no golfo Pérsico,
quem pode prever quais seriam
os efeitos se Saddam Hussein disparasse mísseis Scud carregados
de antraz, gás mostarda ou alguma substância radiológica terrível
contra o principal terminal de
carga saudita em Ras Tanura, semeando o pânico e obrigando o
seu fechamento?
E, desde 11 de setembro, há um
elemento adicional, que vem corroendo as relações entre Arábia
Saudita e EUA -algo entre incerteza e desconfiança em torno da
forte representação saudita entre
os mártires de Osama bin Laden e
a tolerância saudita pela cultura
do jihad. Os sauditas, por sua vez,
rejeitam a perda de iniciativa dos
EUA em buscar um Estado palestino, tão evidente durante o governo de Bush pai (1989-1993) e
na maior parte do de Bill Clinton
(1993-2001). Hoje, EUA e Arábia
Saudita tomam chá temperado
com o veneno das recriminações
não expressas abertamente.
No ano passado, Bush orientou
o secretário da Energia, Spencer
Abrahams, a acrescentar 108 milhões de barris de petróleo à reserva estratégica. Mas isso garante ao
mercado americano apenas uma
camada de absorção de choques.
"O primeiro princípio da segurança energética é a diversificação", diz o historiador e analista
dos mercados petrolíferos Daniel
Yergin, e, segundo esse critério, a
Rússia de repente ganhou importância no mercado energético internacional. A queda pós-soviética na produção petrolífera bruta
está sendo invertida; neste ano, a
Rússia superou a Arábia Saudita,
produzindo 7,28 milhões bpd
(barris por dia) em março. As exportações petrolíferas russas
-que chegaram ao nível mais
baixo em 1994, com 3,16 bpd-
devem atingir 5 milhões bpd neste ano ou no próximo.
"O setor petrolífero russo está
crescendo em ritmo notável e está
importando talentos, tecnologia e
investimentos ocidentais, mas
precisa, sobretudo, de mercados",
disse Sarah Carey, advogada de
Washington que integra o conselho de direção da segunda maior
gigante petrolífera russa, a Yukos,
que quer fornecer óleo para as refinarias americanas. Desde 11 de
setembro, jogando com o medo
que o Ocidente tem de ver seus
suprimentos de petróleo perturbados, a Rússia tem encontrado
maior tolerância para as táticas
dominadoras que aplica nos mercados petrolíferos; a única reação
manifestada pelos sauditas tem
sido a de ranger os dentes.
Mas agora vem o porém: a Rússia não pode tomar o lugar da
Arábia Saudita como garantia de
fornecimentos estáveis de petróleo para o mundo. "Ela está produzindo em plena capacidade",
diz um assessor da família real
saudita. "Todo o mundo está produzindo em plena capacidade, exceto Arábia Saudita, Kuait, Abu
Dhabi e Venezuela." E a parte do
leão da produção excedente continua a ser franquia saudita.
"Os russos sabem disso, todo
mundo sabe disso, e o que nós estamos dizendo é apenas o seguinte: não nos encurralem num canto", disse ele, referindo-se ao receio de que a Rússia, ao exagerar
na produção, possa tentar tomar
mercados sauditas. A ameaça implícita é que a Arábia Saudita poderia inundar o mercado para
forçar uma queda nos preços, como ela já fez em outra ocasião.
Como o petróleo saudita é aquele
cuja produção custa menos (cerca
de US$ 2 por barril, comparados
com o preço de até US$ 15 para
petróleo de produção nova), a família real saudita é a mais bem
posicionada para resistir a preços
muito baixos. "Temos a flexibilidade necessária para reduzir os
preços e continuar a ganhar dinheiro", disse o assessor.
Mas a proeminência saudita
praticamente não importa. O
crescimento da indústria petrolífera russa e o aumento das exportações russas e da região do mar
Cáspio vão ampliar o pool de produção não incluída na Opep ao
longo dos próximos dez anos. E
isso, como observa Yergin, vai
tornar o mercado global mais resistente a choques, especialmente
levando em conta a nova atitude
russa em relação ao Ocidente.
A Rússia vem fundindo seus interesses com os interesses da segurança européia e ocidental na
batalha contra o terrorismo, um
realinhamento estratégico que reduz seus velhos temores quanto à
expansão da Otan e de se ver cercada por aliados do Ocidente. As
grandes empresas russas de petróleo e gás natural estão tornando sua produção mais limpa, o
que faz delas alvos mais seguros
para investimentos ocidentais.
As companhias petrolíferas russas estão se unindo a grandes petrolíferas ocidentais para fazer da
Ásia Central uma grande região
produtora de petróleo. A Rússia
quer garantir que uma proporção
grande de qualquer novo oleoduto que venha a ser construído passe por território dela, mas agora
isso é menos importante, porque
tanto a Rússia quanto o Ocidente
estão começando a enxergar o valor da diversidade e da colaboração, num mundo em que o crescimento das novas economias só
vai fazer a demanda crescer.
Em Putin, os novos barões do
petróleo russos enxergam um líder disposto a defender seus interesses. "Putin é mestre em transformar o que ele tem em mais",
diz James Richard, co-autor de
um artigo publicado pela revista
"Foreign Affairs" afirmando que
"a disputa pela hegemonia energética entre os dois maiores exportadores petrolíferos mundiais,
Arábia Saudita e Rússia, terá consequências fundamentais para a
economia mundial".
Essas consequências não precisam necessariamente prejudicar
os concorrentes, observam outros
analistas. Se uma guerra no Iraque tumultuar os mercados, tanto
Rússia quanto Arábia Saudita
mobilizarão sua produção para
suprir a demanda, mesmo que a
Rússia não possua reservas tão
vastas quanto a Arábia Saudita,
nem uma capacidade excedente
comparável à desta. Ainda assim,
a Rússia quer novos mercados e
provavelmente vai fazer o que for
preciso para consegui-los, de modo que talvez seja inevitável que
teste um pouco a sua força contra
a dos gigantes do golfo Pérsico.
Uma vantagem para a Rússia é
que aquilo que lhe falta em reservas petrolíferas ela compensa em
gás natural. Ela já fornece um
quarto do gás usado na Europa.
Em matéria de óleo, a Rússia não
gosta do argumento saudita de
que deveria aguardar sua vez e aumentar sua participação no mercado com a demanda crescente
vinda da Ásia. Esse argumento teria mais sucesso se Putin exercesse controle pleno sobre as gigantes petrolíferas russas e suas estratégias de mercado agressivas. Em
lugar disso, ele se contenta em caminhar à frente da expansão petrolífera russa, esperando, entre
outras coisas, que o crescimento
energético possa atuar como incentivo para o resto da economia.
Os ataques de 11 de setembro
impeliram a Rússia para o campo
ocidental, com um lugar na Otan
-embora não como membro-
para discutir a segurança ocidental. Assim, a posição em que Putin
se encontra para exercer a versão
russa de "realpolitik" apenas se
fortaleceu. Assim, é mais do que
interessante que Putin tenha se
posicionado entre os EUA e cada
um dos Estados que Bush considera o "eixo do mal" -Irã, Iraque
e Coréia do Norte. Putin vem dialogando com o norte-coreano
Kim Jong-il para promover a
agenda ocidental do controle de
armas e, ao mesmo tempo, vender às duas Coréias o conceito de
um mercado comum que os conecte à Europa, por meio das estradas de ferro russas.
No Irã, ele promove os interesses do setor russo de energia nuclear, negociando acordos para
vender usinas nucleares. Como
parceiro do Ocidente, ele ganha o
direito de argumentar a favor dos
direitos comerciais russos no Irã,
ao mesmo tempo em que a administração Bush denuncia o apoio
dado pelo Irã ao terrorismo e sua
busca por armas nucleares.
No confronto com o Iraque, Putin aderiu à posição americana de
que Saddam Hussein precisa
abrir suas fronteiras aos inspetores da ONU ou enfrentar as consequências. Mesmo assim, ele
vem mantendo abertas as linhas
de comunicação com Bagdá, para
não perder seus contratos multibilionários para desenvolver novos campos petrolíferos iraquianos. E a Rússia, cujos equipamentos construíram o Exército iraquiano, provavelmente será a fornecedora do sucessor de Saddam,
possivelmente até competindo
com o Ocidente nessa área.
O conceito de um Estado russo
que está recomeçando a ganhar
força garantindo a segurança
energética do Ocidente está começando a funcionar em benefício da Rússia. Em parte devido à
relação que Putin mantém com
Bush, o conceito parece ser menos ameaçador do que a maioria
das previsões traçadas para a Rússia há alguns anos, mesmo que o
novo dinamismo russo não chegue a alcançar a costa mal-humorada do golfo Pérsico.
Tradução de Clara Allain
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