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Corte eleitoral muda referendo, mas governo Morales discorda
Consulta que pode tirar presidente e governadores de cargos está prevista para próximo domingo; para ex-presidente Mesa, Bolívia passa por crise do Estado
DA REDAÇÃO
A Corte Nacional Eleitoral
(CNE) da Bolívia decidiu mudar as regras para o referendo
revogatório dos mandatos do
presidente, vice e governadores, mas o governo Evo Morales
afirmou ontem que a alteração
tem de passar pelo Congresso.
A divergência aprofunda as incertezas jurídicas e políticas
em torno da consulta, marcada
para o próximo dia 10.
Na madrugada de anteontem, a CNE, junto com 7 das 9
cortes eleitorais departamentais, estabeleceu que o presidente Evo Morales, seu vice e
os governadores só perderão os
cargos se duas condições simultâneas ocorrerem: a) o voto
pelo "não" for equivalente a
mais de 50% dos votos válidos;
b) a porcentagem de "não" superar a votação recebida quando os políticos foram eleitos.
A corte nacional, cujo presidente foi indicado por Morales,
buscou uma solução conciliatória, já que a alteração estabelece o piso de maioria simples para a perda de mandato, demanda dos governadores, e mantém
vantagem para Morales.
Na lei do referendo proposta
pelo Executivo e aprovada no
Congresso em maio, só existia o
item b), o que beneficiava o
presidente, único eleito com
mais de 50% dos votos (53,7%).
Mas Morales questionou a
validade da mudança. E seu vice, Álvaro García Linera, disse
que, para valer, a alteração tem
de passar pelo Congresso (a Câmara é dominada pelo governo;
o Senado, pela oposição).
E a divergência não é o único
obstáculo para a consulta, proposta como saída para a grave
crise política causada pelo impasse entre o governo esquerdista e a oposição liderada pelos governadores.
A Corte Eleitoral de Santa
Cruz, rico bastião dos oposicionistas, questiona a constitucionalidade do referendo, num
momento em que a corte máxima boliviana, o Tribunal Constitucional (TC), está paralisada
pela renúncia de 4 de seus 5
membros. A única magistrada
do TC, Sílvia Salame, insistiu,
em duas decisões, que a consulta é inconstitucional.
Além do impasse, Morales
enfrenta ainda protestos da
Central Operária Boliviana
(COB), que, liderada por mineiros, cobra uma reforma no sistema previdenciário. As manifestações cortam vias de acesso
a La Paz e ruas da capital.
Caos e futuro
"A sociedade boliviana segue
farta do caos. Mas o que vemos
não é uma crise de um governo,
mas a crise do Estado boliviano
que se arrasta há oito anos",
afirma o ex-presidente da Bolívia, Carlos Mesa, ele próprio
obrigado a renunciar em meio a
protestos nas ruas em 2003.
Em Campinas, onde participou ontem do encontro da Associação Brasileira de Ciência
Política, o historiador Mesa criticou duramente Morales, mas
quis distanciar-se dos governadores oposicionistas. Disse à
Folha que aspira voltar ao cenário no papel de "terceira via":
"Não se trata de ir ao centro
político, mas de recuperar o eixo político perdido".
Fez um diagnóstico sombrio
da situação pós-referendo, que
considera inconstitucional.
"García Linera disse em 2006
que Morales tinha acabado
com o empate catastrófico. Temos o mesmo empate, só que
mais catastrófico", disse ele,
para quem, enquanto La Paz
acreditar que pode derrotar as
elites das regiões e vice-versa,
não haverá espaço para mediação como a ensaiada por Brasil,
Argentina e Colômbia.
Para o ex-presidente, os referendos só moverão o impasse
boliviano se Morales obtiver
"um triunfo contundente".
Neste caso, o presidente teria
estatura para forçar uma negociação com a oposição em torno do texto constitucional
aprovado em 2007, e que tem
de passar por referendo.
A Carta -que amplia direitos
indígenas, formaliza as mudanças em matéria de gás e petróleo e limita o tamanho de propriedades rurais- é a principal
bandeira do presidente e o
principal motivo de resistência
dos oposicionistas. "O erro de
Morales foi ficar contra as autonomias. Aglutinou a oposição e deu a ela uma bandeira legítima, onde ela esconde bandeiras ilegítimas", disse.
(FLÁVIA MARREIRO)
Com agências internacionais
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