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REVOLTA NOS ANDES
Para analistas, no entanto, a possibilidade de um forte movimento indígena transnacional é remota
Bolívia coloca os índios no mapa do poder
FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO
As impressionantes imagens
das manifestações indígenas na
Bolívia, no mês passado, suscitaram em países da América Latina
a expectativa de que os índios finalmente estivessem suficientemente organizados e fortes para
incomodar -e eventualmente
conquistar- o poder, alterando
um status de subalternidade que
já dura cinco séculos.
"Sei que, se vocês acharem que
sou um mau presidente, não poderei prosseguir", disse na semana passada o novo presidente boliviano, o branco Carlos Mesa, em
discurso a 5.000 índios em La Paz,
após a queda de Gonzalo Sánchez
de Lozada. Liderada pelo radical
Felipe Quispe, quase toda a audiência era aimará, etnia com
grande presença no altiplano boliviano e, em menor escala, no Peru e Chile. "Se eu me servir de vocês, vocês me darão um chute, e
será bem dado", disse Mesa.
No Peru, pesquisa mostra que
70,5% dos moradores de Lima
acham que um movimento semelhante ao boliviano possa ocorrer
no país e 68% disseram apoiar os
protestos na Bolívia.
Apesar de o Peru ter escolhido
pela primeira vez um presidente
de origem indígena, Alejandro
Toledo sofre com a baixa aprovação -cerca de 20%, segundo a
mesma pesquisa, realizada pela
Universidade de Lima.
No Equador, onde, em 2000, o
movimento indígena e o Exército
forçaram a saída do ex-presidente
Jamil Mahuad, líderes preparam
manifestações contra o também
impopular presidente Lucio Gutiérrez, um ex-aliado. Nesta semana, índios protestaram contra a
multinacional do petróleo ChevronTexaco, acusada de poluir a
Amazônia equatoriana.
"A Bolívia é um exemplo para o
governo de nossos países e dos
EUA. E aqui no Equador digo claramente ao governo Gutiérrez:
cuidado com o movimento indígena, cuidado com os povos do
Equador", disse à Folha o quéchua Gilberto Talahua, presidente
do Partido Pachacuti. Sua etnia
tem forte presença nas regiões andinas do Equador, do Peru e da
Bolívia. No Congresso, o partido
tem 11 dos 100 deputados.
Efeito Quispe
Parte dessa expectativa é gerada
pela polêmica liderança de Quispe, cujo discurso muitas vezes é
separatista, inclusive com a defesa
de uma revolução armada.
"O que ocorreu aqui na chamada Bolívia é um ensaio para nos
organizarmos e nos prepararmos.
É necessário internacionalizar o
indigenismo", disse à Folha Quispe, 61, desde o início um dos principais líderes dos protestos. "Por
isso estamos nesse trabalho de articular organizações internacionais, desde o Alasca até a Patagônia, avançando pela Amazônia
brasileira e peruana".
Para Quispe, é necessário trabalhar tanto na frente democrática
como numa proposta revolucionária. "Temos o braço democrático e o ilegal, que ainda não está
nas leis republicanas. Temos táticas e técnicas indígenas, que vêm
de gerações", disse. Ex-guerrilheiro nos anos 80, hoje é deputado
federal pelo Movimento Indígena
Pachacuti e preside a Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia.
Internacional indígena?
Para o presidente da mais importante organização indígena da
América do Sul, o índio brasileiro
Sebastião Manchineri, 33, os protestos bolivianos eram sobretudo
nacionais, principalmente por
meio da oposição à exportação do
gás via Chile, país que em 1879 tirou o acesso da Bolívia ao mar.
"Foi um movimento boliviano.
Conheço Quispe e suas opiniões.
Ele tem mais é que se afirmar como aimará, ele pertence ao povo
aimará. Agora, eles estão defendendo a dignidade, a soberania e
os recursos de um país", disse
Manchineri, em entrevista por telefone de Quito, onde mora. Originário do Acre, o seu povo, da etnia yine, está espalhado por três
países: Brasil, Bolívia e Peru.
Desde 2001, Manchineri preside
a Coica (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia
Amazônica), que representa 400
povos indígenas de Bolívia, Brasil,
Colômbia, Equador, Guiana,
Guiana Francesa, Peru, Suriname
e Venezuela, somando cerca de
1,5 milhão de pessoas.
"O que tem de novo na Bolívia é
que eles defenderam um país, diferente do Equador, onde o tema
eram os povos indígenas. Na Bolívia, utilizaram o discurso do gás
para a defesa da soberania do
país. Isso é extremamente novo."
Para Manchineri, "Quispe não
tem um discurso separatista, mas
de afirmação de um povo". "Os
manifestantes querem que o Estado se adapte à realidade boliviana,
constituída de várias culturas."
Manchineri acredita que o movimento indígena da latino-americano não queira criar Estados
independentes. "O principal é
conseguir o reconhecimento dos
povos em cada um dos países. Independentemente se o Estado
aceita ou não, nós existimos em
diferentes partes e países."
Fragilidade interna
Para o cientista político boliviano radicado nos EUA Eduardo
Gamarra, 46, o movimento indígena boliviano representa uma
posição avançada em relação a
outros países, mas Quispe não
tem potencial para unificar sequer os índios bolivianos, que representam cerca de 60% da população (25% são aimarás).
"O personagem principal do
movimento indígena é muito fraco. O movimento indígena tem
divisões muito pronunciadas, sobretudo entre o altiplano e a zona
mais baixa, como Cochabamba e
Santa Cruz. Muita gente pensa
que o movimento indígena é nacional. Não é. Quispe vai ser muito importante em mobilizações
temporárias, mas ele não é o futuro líder indígena boliviano", disse
Gamarra, professor da Universidade Internacional da Flórida.
Gamarra acredita que Evo Morales, também aimará, tenha mais
chance de se tornar uma liderança
nacional, inclusive com presença
fora da Bolívia, mas como um líder antiglobalização.
"Morales tem maior potencial,
mas não é propriamente um líder
indígena, é um político de origem
sindical, que tem construído um
movimento nacional. Ele está
dentro das correntes internacionais antiglobalização, anti-Alca.
Nesse sentido é um líder moderno", disse Gamarra, que inclui o
presidente do Brasil, Luiz Inácio
Lula da Silva, nessa tendência.
Apesar disso, Gamarra vê um
movimento ideologicamente forte. "Na Bolívia, é um movimento
que já não é possível cooptar, que
não quer um ou dois ministérios."
Para o antropólogo espanhol
Xavier Albó, 69, radicado na Bolívia, é pouco provável que o movimento boliviano tenha uma atuação fora do país, já que não existe
sequer uma organização transnacional de índios andinos. Segundo ele, a influência se dá por conta
da troca de informações na região. "Na Bolívia, por exemplo,
surgiu um movimento de sem-terra, que não tem relação orgânica com os sem-terra brasileiros,
mas há o efeito da repetição."
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