São Paulo, quarta-feira, 02 de novembro de 2011 |
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ROBERTO ABDENUR A ligação de Sarkozy e o bebê 7 bilhões
O FIM de uma era é em geral marcado por acontecimentos trágicos ou grandiosos: uma grande guerra, o desaparecimento de um império, por exemplo. Mas, embora menos perceptíveis, também podem ser divisores de águas episódios mais pedestres e corriqueiros, se vistos em seu caráter simbólico. Dois eventos ocorridos nos últimos dias bem evidenciam profunda alteração no panorama internacional: um simples telefonema dado pelo francês Nicolas Sarkozy e o nascimento de um bebê, ao que parece filipino. Mal havia secado a tinta sobre o comunicado da reunião da União Europeia para a salvação da Grécia -e do próprio euro-, e Sarkozy apressou-se a ligar para o chinês Hu Jintao. E simplesmente para, sem mais delongas, pedir... dinheiro! Enquanto isso, nascia aquele nosso sétimo bilionésimo conterrâneo (a palavra é essa, em seu sentido literal), o menino filipino. Significativamente, nasceu na Ásia, desde há muito o continente mais populoso. E aquele onde mais continuará a aumentar a população mundial. Em suma: dois acontecimentos díspares que apontam na mesma direção: a crescente importância, para bem ou para mal, da Ásia no panorama internacional. E o encolhimento da presença relativa da Europa na economia, nas finanças e na população mundiais. A chamada de Sarkozy bem expressa o fim de uma era: a do predomínio da Europa e do Ocidente de modo geral no plano econômico (e, por via das consequências, também no campo político). A União Europeia decidiu constituir fundo de € 1 trilhão para o resgate das economias ameaçadas. Só que boa parte desse dinheiro precisará vir dos fundos soberanos e variados investidores de regiões como Ásia, Oriente Médio e América Latina (inclusive, espera-se, do Brasil). Surgem aqui duas importantes diferenças entre a presente crise -que assola também os EUA- e o "crash" de 1929. Este sacudiu um planeta em que a Ásia, ainda submetida ao colonialismo, não servia de contrapeso à brutal contração no Ocidente. E 1929 não levou ao deslocamento do eixo fundamental da economia para outras partes do mundo. Agora a situação é outra, como se vê. E como bem indica o, digamos, dramático pedido de socorro de Sarkozy. Justamente ao governante da China, outrora submetida às duras intervenções e agressões das grandes potências ocidentais. Mao Tsé-Tung deve estar rolando de prazer em sua tumba na Praça da Paz Celestial. Que extraordinária reviravolta! A UE cometeu o erro de acelerar indevidamente seu processo de unificação monetária e de incorporação de novos membros, sem que estivessem dadas as bases para isso. E acreditava, com otimismo, que sua recuperação se pudesse dar como desdobramento de uma esperada -mas duramente frustrada- retomada dos EUA após o baque de 2008. Isso não tendo ocorrido, o jeito é recorrer aos emergentes. E à China em particular, ainda que ao custo de vexatória atitude por parte de Sarkozy. O bebê filipino vai se divertir com as mudanças que assistirá. Eu, como ex-embaixador na China, cujo povo muito admiro, só lamento que o recém-chegado de número 7 bilhões tenha desembarcado, ao que se supõe, nas Filipinas. Que deliciosa ironia se fosse chinês... AMANHÃ EM MUNDO Clóvis Rossi Texto Anterior: Análise: Campanha anti-consulta deve ter impacto sobre o projeto europeu Próximo Texto: Maioria dos gregos quer manter o euro Índice | Comunicar Erros |
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