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Na 1ª entrevista, Cristina nega crise no país
Presidente argentina afirma que não errou durante conflito com campo, mas decisão de falar à imprensa marca novo tom
Divergências com o Brasil em Doha se devem a atraso industrial argentino e os dois países ainda podem ter proposta comum, diz ela
ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES
Na primeira entrevista coletiva de um presidente argentino em ao menos cinco anos, a
mandatária Cristina Kirchner
negou que o país enfrente uma
crise e disse não ter qualquer tipo de arrependimento em relação à posição do governo durante os quatro meses de conflito com o setor agropecuário.
"Voltaria a fazer tudo de novo", afirmou Cristina sobre o
decreto -depois derrubado pelo Senado- que aumentou os
impostos às exportações de
grãos, desencadeando locautes
dos produtores rurais e desabastecimento.
Mas a entrevista oferecida
em um salão da Quinta de Olivos, a residência presidencial,
já é um sinal de mudança. Seu
marido e ex-presidente, Néstor
Kirchner (2003-2007), nunca
havia participado de uma, e o
casal presidencial é conhecido
por não ter boas relações com a
imprensa. Em um clima descontraído, ministros de governo passeavam entre os jornalistas, assim como Catalina, a cadela de Néstor. Cristina, no entanto, não afirmou se as coletivas agora serão freqüentes.
Sobre a crise com o campo,
disse que seu único erro foi "a
ingenuidade" em relação à reação de setores econômicos poderosos e voltou a criticar as
entidades agropecuárias que
comandaram o locaute.
"Desde o retorno da democracia não se viu tal grau de violência, com um locaute patronal e bloqueios de estradas."
Divergências com Brasil
À véspera da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
ao país, Cristina afirmou que
discutirá com o brasileiro sobre
as divergências que geraram
um atrito entre os dois países
na OMC (Organização Mundial
do Comércio).
"Sem um desenvolvimento
industrial como o do Brasil, a
proposta apresentada não nos
parecia um bom negócio. Nos
anos 40 e 50, tínhamos nossa
indústria aeronáutica muito
mais desenvolvida que a do
Brasil, mas, como produto de
políticas de investimento constantes, hoje eles têm a Embraer
e nós não temos nada."
Cristina afirmou, no entanto,
que as diferenças podem ser resolvidas. "Há divergências, mas
isso não significa que não se
possa articular uma proposta
comum."
Negando todos os conflitos
internos, a presidente disse que
não se impressiona com as críticas que dizem que haveria um
"duplo comando" no governo
argentino. "Em 2003, Kirchner
era desconhecido em Buenos
Aires e diziam que quem governaria seria eu. Agora quem é
débil, pusilânime e manipulável sou eu."
Sobre as acusações de manipulação dos índices de inflação,
a maior preocupação dos argentinos, segundo pesquisas,
disse apenas que "acontece em
todas as sociedades e todas as
economias".
Se negou também a criticar o
voto do vice-presidente Julio
Cobos, responsável por derrubar o projeto dos impostos no
Senado. "É preciso "desdramatizar". Cada um é responsável
por suas ações políticas."
A coletiva de Cristina não foi
marcada para o dia de ontem à
toa. Poucas horas antes, era
inaugurada a Exposição Rural,
com a presença de todos os líderes agropecuários e políticos
da oposição. No evento, o presidente da Sociedade Rural, Luciano Miguens, apresentou um
discurso muito mais duro que o
de Cristina.
"Quando se ofende o campo,
se ofende o povo. E quando se
ataca o campo, se ataca a Argentina", afirmou Miguens,
que também reforçou a unidade das entidades agropecuárias
e criticou a manipulação dos
índices de inflação -que são
oficialmente de 9% ao ano, mas
chegariam a 25%, segundo analistas econômicos.
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