São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

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Na 1ª entrevista, Cristina nega crise no país

Presidente argentina afirma que não errou durante conflito com campo, mas decisão de falar à imprensa marca novo tom

Divergências com o Brasil em Doha se devem a atraso industrial argentino e os dois países ainda podem ter proposta comum, diz ela

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

Na primeira entrevista coletiva de um presidente argentino em ao menos cinco anos, a mandatária Cristina Kirchner negou que o país enfrente uma crise e disse não ter qualquer tipo de arrependimento em relação à posição do governo durante os quatro meses de conflito com o setor agropecuário.
"Voltaria a fazer tudo de novo", afirmou Cristina sobre o decreto -depois derrubado pelo Senado- que aumentou os impostos às exportações de grãos, desencadeando locautes dos produtores rurais e desabastecimento.
Mas a entrevista oferecida em um salão da Quinta de Olivos, a residência presidencial, já é um sinal de mudança. Seu marido e ex-presidente, Néstor Kirchner (2003-2007), nunca havia participado de uma, e o casal presidencial é conhecido por não ter boas relações com a imprensa. Em um clima descontraído, ministros de governo passeavam entre os jornalistas, assim como Catalina, a cadela de Néstor. Cristina, no entanto, não afirmou se as coletivas agora serão freqüentes.
Sobre a crise com o campo, disse que seu único erro foi "a ingenuidade" em relação à reação de setores econômicos poderosos e voltou a criticar as entidades agropecuárias que comandaram o locaute.
"Desde o retorno da democracia não se viu tal grau de violência, com um locaute patronal e bloqueios de estradas."

Divergências com Brasil
À véspera da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país, Cristina afirmou que discutirá com o brasileiro sobre as divergências que geraram um atrito entre os dois países na OMC (Organização Mundial do Comércio).
"Sem um desenvolvimento industrial como o do Brasil, a proposta apresentada não nos parecia um bom negócio. Nos anos 40 e 50, tínhamos nossa indústria aeronáutica muito mais desenvolvida que a do Brasil, mas, como produto de políticas de investimento constantes, hoje eles têm a Embraer e nós não temos nada."
Cristina afirmou, no entanto, que as diferenças podem ser resolvidas. "Há divergências, mas isso não significa que não se possa articular uma proposta comum."
Negando todos os conflitos internos, a presidente disse que não se impressiona com as críticas que dizem que haveria um "duplo comando" no governo argentino. "Em 2003, Kirchner era desconhecido em Buenos Aires e diziam que quem governaria seria eu. Agora quem é débil, pusilânime e manipulável sou eu."
Sobre as acusações de manipulação dos índices de inflação, a maior preocupação dos argentinos, segundo pesquisas, disse apenas que "acontece em todas as sociedades e todas as economias".
Se negou também a criticar o voto do vice-presidente Julio Cobos, responsável por derrubar o projeto dos impostos no Senado. "É preciso "desdramatizar". Cada um é responsável por suas ações políticas."
A coletiva de Cristina não foi marcada para o dia de ontem à toa. Poucas horas antes, era inaugurada a Exposição Rural, com a presença de todos os líderes agropecuários e políticos da oposição. No evento, o presidente da Sociedade Rural, Luciano Miguens, apresentou um discurso muito mais duro que o de Cristina.
"Quando se ofende o campo, se ofende o povo. E quando se ataca o campo, se ataca a Argentina", afirmou Miguens, que também reforçou a unidade das entidades agropecuárias e criticou a manipulação dos índices de inflação -que são oficialmente de 9% ao ano, mas chegariam a 25%, segundo analistas econômicos.


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