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GUERRA SEM LIMITES
Para Jason Burke, fazer da Al Qaeda "um grupo a ser destruído" omite o fato de que se trata de uma ideologia
Ocidente não entende Al Qaeda, diz analista
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
Al Qaeda não é um grupo unificado, resultado do trabalho de
um homem. O termo significa "a
base" e está relacionado a uma
forma de ver o mundo, crenças
religiosas e aspirações sobre o futuro. Por ter ignorado isso, os governos ocidentais, na luta contra o
terror, estão muito mais longe de
suas metas do que Osama Bin Laden está do seu objetivo.
Essa confusão semântica e os
riscos de suas conseqüências levaram o jornalista britânico Jason
Burke, 34, a escrever o livro "Al
Qaeda", recém-lançado no Reino
Unido. Burke -que foi correspondente no Oriente Médio, no
Paquistão e no Afeganistão- diz
que os governos ocidentais e muçulmanos tiveram todos os elementos para entender as causas
reais da militância islâmica e sua
complexidade, mas preferiram se
agarrar à idéia simples, mas falsa,
de "um grupo a ser eliminado".
No livro, Burke-que está virando referência sobre o assunto,
citado por veículos importantes
como a revista "Economist"
-afirma que "os serviços de inteligência mentem, trapaceiam e
enganam". Leia a seguir os principais trechos da entrevista do jornalista, que é repórter-chefe do
"Observer", à Folha.
Folha - O sr. diz que governantes
não compreenderam o verdadeiro
sentido da Al Qaeda. Quais têm sido as conseqüências disso?
Jason Burke - Você não pode elaborar estratégias efetivas para lidar com a ameaça da militância
islâmica moderna a menos que
você a entenda. E, por um longo
período, muita gente -no governo, na mídia e nos serviços de segurança- entendeu a Al Qaeda
como um único, unificado, hierárquico grupo terrorista governado por apenas um homem e
responsável por grande parte da
violência islâmica hoje em dia. Isso é errado. A Al Qaeda é algo
muito diferente, é um modo de
ver o mundo, uma ideologia, uma
forma de entender a história, são
aspirações em relação ao futuro.
Folha - Os serviços de inteligência
e os governos poderiam entender
melhor a militância islâmica?
Burke - Claro que sim. Mas preferiram uma formulação mais
simples. Primeiro, porque há uma
espécie de conservadorismo institucional. Quando confrontadas
com um problema, as pessoas
tendem a reagir tentando alcançar o conjunto de referências mais
familiares e próximas e, nesse caso, estão relacionadas a ameaças
mais antigas de terrorismo.
A outra razão é que ter grupos
terroristas únicos, coerentes e
simples serve aos governos e às
instituições. Permite que culpem
um único agente de forma que
pareça que, se você eliminar
aquela pessoa, o problema está resolvido. Também significa que
você não tem de olhar para causas
reais dos problemas que, em sua
maioria, são muito desconfortáveis para um governo.
Do ponto de vista da lei, é fácil
dizer que os militantes são parte
de um grupo terrorista porque é
vínculo suficiente para prendê-los. O problema é que ninguém
pode ser membro da Al Qaeda,
porque Al Qaeda não é um grupo.
Folha - Essa percepção sobre o
que é Al Qaeda vem mudando?
Burke - Eu acho que a forma como a Al Qaeda é descrita mudou
nos últimos três anos. As pessoas
começam a entender que, quando
se fala de Al Qaeda, se quer dizer
Bin Laden e outros.
Folha - E os grupos terroristas
mudaram?
Burke - Houve uma grande mudança desde 2001. Até esse período, Bin Laden exercia uma influência significativa, conseguindo reunir pessoas no Afeganistão.
Muitos extremistas estavam em
ação no Afeganistão, com condições de lançar campanhas terroristas no mundo. Essa presença
quase sumiu. Mas, agora, há uma
internacionalização da ideologia
islâmica radical. No período inicial, ela estava focada nos Estados
nacionais. Agora, temos a guerra
ao terror que radicalizou uma
quantidade enorme de gente.
Folha - O sr. diria que a guerra ao
terror fez a situação piorar?
Burke - Bem, era preciso atacar o
problema no Afeganistão. Não
dava para permitir que uma situação em que vários terroristas dispostos a seguir promovendo treinos militares no país persistisse. O
fato de se ter permitido que isso
surgisse já era ruim o suficiente.
Mas, porque o significado da Al
Qaeda não foi reconhecido antes,
a estratégia que foi perseguida
não tentou conter os planos de
Bin Laden, que eram de radicalizar e mobilizar pessoas no Oriente Médio. Na verdade, a guerra ao
terror e, particularmente, a invasão do Iraque têm ajudado e facilitado esse processo.
Folha - Que políticas diferentes
poderiam ter sido tomadas?
Burke - Vamos imaginar que,
depois da Guerra do Afeganistão,
os americanos tivessem concluído que eles limparam os campos
no Afeganistão e que, então, caminhariam para a segunda fase
da guerra, que envolveria assistência aos governos locais, aumento de cooperação entre os
serviços de inteligência.
Vamos supor que tivessem pego a enorme quantidade de dinheiro que a Guerra do Iraque
custou e a direcionado para diplomacia -melhorar a imagem dos
EUA-, para financiar o desenvolvimento na Palestina, financiar o desenvolvimento de um sistema educacional secular no Paquistão, desenvolver energias alternativas para reduzir a dependência do petróleo.
E que tivessem abordado um tema fundamental que é o fato de
que o islã, como religião, cultura e
forma de viver, está sendo atacado. E vamos imaginar que não tivessem invadido o Iraque. Aí teríamos o problema em um nível
administrável.
Folha - Mas isso não ocorreu.
Burke - Sim, e, no balanço final,
se você olhar o objetivo de Osama
bin Laden cinco anos atrás, que
era mobilizar e radicalizar a maior
quantidade de pessoas possível
no Oriente Médio, e olhar nossos
objetivos, que têm sido administrar as ameaças de terrorismo, de
forma que não prejudiquem nosso modo de viver, nossas culturas
e sociedades, então, acho que é
bastante claro que Bin Laden e
pessoas como ele estão mais próximas de seus objetivos do que
nós dos nossos.
Folha - Como conter o terrorismo
islâmico?
Burke - A melhor coisa é o fato
de que a maior parte das pessoas
no mundo islâmico não gosta do
terrorismo, tem vergonha e acha
que a religião deles tem sido usada de forma errada.
É preciso incentivar os muçulmanos moderados, em vez de tornar o trabalho deles mais difícil.
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