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ORIENTE MÉDIO
Em votação que interessa à UE, aos EUA e ao FMI, o favorito é identificado com o islã e quer dar as costas à Europa
Eleição turca volta a opor Oriente a Ocidente
RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO
O sultão otomano Mehmet 2º,
conquistador de Constantinopla,
sob os dizeres "Istambul desde
1453". Essa faixa dos torcedores
do Fenerbahçe na partida de
quinta-feira pela Copa da Uefa de
futebol contra o Panathinaikos,
de Atenas, mostra mais do que
uma simples provocação: explicita o choque de Ocidente e Oriente
que é tão presente na sociedade
turca e que deve aflorar mais ainda na eleição parlamentar de hoje.
Em jogo, nos votos de 41 milhões de eleitores, a escalação de
550 parlamentares -e, consequentemente, a do novo premiê.
Como favorito, o recém-fundado Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, ou simplesmente AK, sigla que em turco forma a palavra limpo), acusado por
detratores de ser secular por fora,
mas comprometido com movimentos islâmicos por dentro.
Como espectadores -às vezes
mais do que espectadores-, os
militares turcos, os EUA, a União
Européia, os Bálcãs, o Oriente
Médio, a Rússia e até o FMI.
UE e crise econômica
As referências à Constantinopla
de cultura greco-ortodoxa sendo
derrotada no século 15 pelos muçulmanos não foi a única provocação no estádio de Istambul: os
torcedores do Panathinaikos levaram uma bandeira com o mapa
da Grécia incluindo Chipre, foco
de tensão entre Atenas e Ancara.
Isso não pareceu atingir os
chanceleres grego e turco, George
Papandreou e Sukru Sina Gurel,
assistindo à peleja lado a lado.
A Grécia, que chegou à beira da
guerra com o vizinho por três vezes nos últimos 30 anos, hoje defende iniciar negociações para a
admissão do antigo rival na UE.
Protestou quando a Turquia foi
excluída da lista de dez países que
devem aderir ao bloco em 2004.
Mas o líder do AK, o carismático ex-prefeito de Istambul Recep
Erdogan, afirma que o país não
precisa da UE. Com fama de incorruptível, ele atrai os votos de
uma maioria desiludida com escândalos políticos e com a crise
econômica que mantém 2 milhões de turcos desempregados.
"E ter um partido identificado
com ideais islâmicos não o faz
perder votos com o grosso da população, apenas com a elite ocidentalizada", afirma Nursulan
Surayev, cientista político.
Procurando aceitação do Ocidente e dos "ocidentalizados", Erdogan adotou um discurso econômico moderado. Fala em manter o acordo feito com o FMI após
a crise bancária e cambial que
quase levou o país à bancarrota
em 2001. Prega apenas alguns
ajustes para projetos sociais.
Mas o partido, se vencedor, teria
ainda de convencer os militares
de que não implantaria um governo islâmico. As Forças Armadas
ocupam um espaço especial no
jogo de poder desde antes de o
país se tornar uma república, em
1923. Seis dos dez presidente foram militares -como o fundador
da república, Mustafá Kemal
"Ataturk" (pai dos turcos).
Nos últimos 40 anos, houve
quatro golpes de Estado comandados pelo Exército, bastião da
secularidade. A própria Constituição diz que "nenhuma garantia
será estendida a pensamentos e
opiniões contrários aos interesses
nacionais". Essa formulação é vaga o bastante para abarcar conceitos como a indivisibilidade do
país e os valores morais e a modernidade instituída por Ataturk.
Vem daí o verniz constitucional
para banir os partidos islâmicos,
patrulhar ideologicamente o sistema de ensino e reprimir o separatismo curdo -uma "minoria"
de 8 milhões de pessoas.
A Corte Constitucional turca está julgando uma ação que pede a
suspensão do AK e a proibição de
Erdogan de chefiar o governo.
Com isso, criou-se uma situação
quase surreal: o ex-prefeito não
pode concorrer ou chefiar o governo. Mas, apesar de não constar
nas cédulas, sua imagem impera
nas propagandas do partido.
"Os autores dessa ação querem
apenas turvar as eleições", disse
Erdogan anteontem. Apesar de
inelegível, ninguém duvida de
que ele continuaria a ser o condutor da política do partido num
eventual governo do AK.
Analistas afirmam que, já que
não deve conseguir a maioria parlamentar, o partido procuraria
formar um gabinete com o Partido Popular Republicano (CHP),
em segundo nas pesquisas.
O CHP não alcançou 10% dos
votos na última eleição e ficou fora do Parlamento. Revitalizado,
carrega o importante histórico de
ter sido fundado por Ataturk e
pode dar mais aceitação ao AK.
"Essa é a hipótese preferida pelos investidores", diz Surayev,
lembrando que Kemal Dervis, um
dos próceres do CHP, foi o ministro da Economia que formatou o
acordo de 2001 com o FMI.
Mas não são só os mercados que
estão atentos à eleição, o que vemos numa rápida volta ao mundo: em Washington, as declarações de Erdogan vem sendo pesadas com cuidado, já que os EUA
pretendem usar bases da aliada
Turquia -que é membro da
Otan, é bom ressaltar- para um
eventual ataque ao Iraque.
Em Moscou, o Kremlin vem denunciando a infiltração de guerrilheiros tchetchenos na Turquia, o
que é refutado por Ancara.
Em Atenas... Bem, em Atenas,
espera-se o jogo de volta, quando
o Panathinaikos recebe o Fenerbahçe. O de quinta-feira acabou
em 1 a 1, com o jogador brasileiro
Washington, ex-Ponte Preta,
marcando o gol do time turco.
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