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ARTIGO
China joga seu peso na diplomacia mundial
Guang Niu - 26.dez.2003/Reuters
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Em Pequim, chineses fazem fila para render homenagem a Mao Tsé-tung, no 110º aniversário do maior líder do país, morto em 76 |
EVAN S. MEDEIROS
M. TAYLOR FRAVEL
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um dos aspectos mais curiosos
e menos examinados da crise nuclear que se vem desenvolvendo
na Coréia do Norte é o papel ativo
e importante desempenhado pela
China nos últimos nove meses.
Rompendo com os anos de tradicional passividade chinesa diante
dos desafios de segurança mundial, Pequim ajudou Pyongyang e
Washington a recuar quando um
confronto era iminente, o que
surpreendeu até mesmo os críticos da China.
Os diplomatas chineses foram
essenciais para dar início a uma
primeira rodada de discussões trilaterais, mais tarde expandidas
para incluir seis participantes.
Desde então, importantes funcionários do governo chinês vêm se
deslocando entre Pyongyang e
Washington, tentando preservar
o ímpeto para uma terceira rodada de negociações.
Pequim também usou medidas
de coerção, como uma suposta
suspensão temporária de seus
embarques de petróleo para os
norte-coreanos, uma "inspeção"
de um navio da Coréia do Norte
atracado em porto chinês e o deslocamento de tropas para sua
fronteira com a Coréia do Norte.
Os consistentes esforços de Pequim para resolver o problema
nuclear da Coréia do Norte são
uma das muitas indicações quanto a uma evolução mais ampla na
diplomacia chinesa.
Nos últimos anos, a política externa de Pequim começou a refletir uma abordagem mais sofisticada, confiante e, ocasionalmente, construtiva e preventiva, no
que tange aos assuntos regionais e
mundiais.
Por muitas décadas, até a metade dos anos 90, a China regularmente criticou a estrutura do sistema internacional e se queixou
de que as demais potências conspiravam contra os seus interesses.
Pequim parece agora estar cada
vez mais aderindo à constelação
atual de instituições, normas e regras internacionais, como forma
de promover e defender os interesses nacionais chineses. A China agora está trabalhando no contexto do sistema internacional,
em lugar de criticá-lo e de protestar contra ele.
Abundam indícios de mudança
na diplomacia chinesa. O país expandiu suas relações bilaterais,
em termos de largura e de profundidade, aderiu a diversos acordos
regionais e internacionais e melhorou a qualidade de sua participação nas organizações multilaterais.
A adoção das instituições multilaterais por Pequim representa
uma das mais dramáticas viradas
nas relações internacionais do
país.
No começo dos anos 90, a China
não aprovava esse tipo de fórum,
vendo-o como fonte de críticas e
restrições ao país. Agora, Pequim
encara a participação como forma de influenciar as regras internacionais, melhorar suas relações
com os países vizinhos (especialmente no Sudeste Asiático) e limitar o que percebe como influência
mundial indevida dos Estados
Unidos.
No leste da Ásia, a China se envolveu ativamente na Associação
de Países do Sudeste Asiático e no
fórum regional Asean. Pequim tomou uma série de medidas calculadas para reassegurar aos países
da Asean que sua ascensão não
ameaça os interesses econômicos
e de segurança deles.
Em 2001, a China propôs uma
área de livre comércio entre o país
e a Asean, a primeira do gênero
para os chineses.
Para atenuar os temores regionais quanto às suas ambições territoriais, a China acatou uma declaração dispondo um código de
conduta para as disputas sobre as
ilhas no Mar do Sul da China, e
Pequim recentemente assinou o
Tratado de Amizade e Cooperação, um dos primeiros países de
fora da Asean a fazê-lo, o que significa acatar as normas do fórum
regional para a solução de conflitos diversos.
Ainda na região, a China comandou o estabelecimento de
uma organização multilateral cujo foco é a segurança regional da
Ásia Central, conhecida como Organização de Cooperação de Xangai. O grupo tem seis membros,
agora, que cooperam para desmilitarizar fronteiras, combater o
terrorismo e promover o comércio internacional.
Para além da Ásia, a China começou a promover reuniões
anuais com a União Européia, em
1998, e recentemente abordou a
Organização para o Tratado do
Atlântico Norte
(Otan, a aliança
militar ocidental
liderada pelos
EUA) quanto ao
início de um diálogo anual sobre
percepções estratégicas e ameaças
regionais à segurança. O esforço
representa grande
contraste com relação à abordagem tradicionalmente crítica adotada pela China
com relação a
alianças de segurança lideradas
pelos Estados
Unidos.
No Conselho de
Segurança da
ONU, a China votou a favor da resolução 1441, em
novembro de
2002, aprovando
inspeções de armas no Iraque.
Foi a segunda ocasião, desde a admissão da China
na ONU, em 1971,
em que Pequim
aprovou uma resolução do Conselho de Segurança sob o capítulo
7 da Carta das Nações Unidas, que
autoriza o uso da força. Ao longo
dos anos 90, embora não tenha
em geral bloqueado ações da
ONU, a China se absteve em votações semelhantes, por exemplo
durante a Guerra do Golfo (1991).
Mais recentemente, a China votou a favor das resoluções relativas à reconstrução do Iraque.
Ao longo dos dez
últimos anos, a China
assinou diversos tratados importantes de
controle de armas e
da proliferação nuclear. Pequim também impôs diversas
leis internas de controle de exportação,
para sustentar seus
compromissos quanto a restringir a proliferação. Embora divergências quanto à
interpretação de regimes e problemas
com a implementação de controles sobre exportações de
tecnologia sensível
continuem a existir, a
tendência é em geral
animadora.
A China também
tratou ativamente de
diversas disputas territoriais que historicamente prejudicaram suas relações
com países vizinhos.
De 1991 para cá, o
país resolveu problemas com
Laos, Rússia, Vietnã, Cazaquistão,
Quirguistão e Tadjiquistão. Em
diversos desses acordos, a China
recebeu menos de metade da área
disputada. Além disso, Pequim
reduziu os efetivos militares estacionados nas fronteiras e adotou
posições que reforçam a confiança nas fronteiras com vizinhos
importantes como
a Índia e a China.
A execução da diplomacia chinesa
também se tornou
mais sofisticada, já
que Pequim espera
influenciar a opinião mundial. Em
nível individual, os
líderes da terceira e
quarta gerações de
líderes chineses
tentaram personalizar a diplomacia
do país por meio de
muito mais viagens
ao exterior do que
no caso das gerações anteriores de
líderes.
Em termos mais
amplos, a China
lançou uma série de
documentos oficiais delineando a
posição oficial do
governo quanto a
questões de política
interna e internacional. As páginas
do Ministério do
Exterior e do Conselho de Estado na
internet incluem
um verdadeiro tesouro de dados básicos sobre as
posições chinesas, novos desdobramentos políticos e declarações
oficiais. Talvez o mais surpreendente seja o fato de que funcionários do governo chinês começaram a informar aos jornalistas em
profundidade quanto às posições
do país, antes e depois de eventos
diplomáticos importantes, adotando uma prática
ocidental.
Nos últimos anos,
e especialmente depois do 11 de Setembro, mudanças ainda mais dramáticas
aconteceram no raciocínio da China
sobre seu papel no
sistema internacional. Analistas chineses influentes começaram a advogar
que o país abandone sua mentalidade
de vítima, já tradicional, e promovem
em lugar disso a
adoção de uma
"mentalidade de
grande potência".
Uma importante
manifestação dessas idéias é que os
estrategistas chineses cada vez mais
vêem seus interesses como semelhantes aos das grandes
potências, e menos
associados aos dos
países em desenvolvimento. Essa mudança, por si, já representa importante virada nas percepções dominantes até os anos 90, quando
muitos chineses continuavam a
ver o país como prejudicado pela
globalização, pelas outras grandes
potências e pelos fóruns internacionais.
O presidente Hu Jintao, em um
reflexo dessa mudança, foi o primeiro líder chinês a comparecer a
uma reunião do G8 (grupo dos sete países mais ricos, mais a Rússia), no terceiro trimestre.
Os diplomatas e líderes políticos
da China falam agora sobre "responsabilidades mundiais compartilhadas" e sobre a melhora na
cooperação entre as "grandes potências" (entre as quais a China)
para combater ameaças à segurança mundial.
Esse tipo de pensamento representa sério contraste com a visão
estreita que a China mantinha anteriormente sobre os seus interesses nacionais, sua identidade como potência e seu papel na comunidade internacional.
Um último elemento importante do novo pensamento chinês é a
recente, se bem que relutante,
aceitação da idéia de que o mundo é unipolar, no momento, e que
a preponderância dos Estados
Unidos persistirá por décadas.
Ainda que os líderes chineses
alardeiem a multipolarização, em
público, como a tendência da
nossa era (condenando o unilateralismo norte-americano), analistas do país também reconhecem
que a China não tem capacidade
para desafiar, e não desafiará, o
domínio mundial norte-americano, no curto prazo.
Embora todas essas tendências
sejam importantes, a China continua a enfrentar importantes obstáculos políticos, sociais e econômicos.
A nova diplomacia chinesa oferece oportunidades e desafios aos
líderes asiáticos e norte-americanos. A participação ativa da China
nas instituições internacionais
cria mais chances de obter sua assistência quanto a questões importantes. Recentes exemplos
dessa tendência incluem a cooperação entre Estados Unidos e China no combate ao terrorismo, aos
narcóticos e à proliferação das armas nucleares.
No entanto as autoridades deveriam ter em mente que, à medida
que aumenta o envolvimento chinês, aumenta a capacidade de Pequim para usar a política externa
e as relações internacionais a serviço do país. A China de hoje é decerto mais esperta e mais sofisticada -o que não dizer mais amena ou mais gentil.
As novas capacidades de Pequim podem servir para frustrar
os objetivos ocidentais, ocasionalmente, já que a China está se tornando mais capaz de contestar as
políticas dos Estados Unidos e
seus aliados. A capacidade chinesa para manobrar e derrotar os
Estados Unidos na Comissão de
Direitos Humanos das Nações
Unidas, recentemente, deve servir
de alerta.
A China está insatisfeita com
certos aspectos do sistema internacional, como a preponderância
dos Estados Unidos e a situação
de Taiwan. Washington deve se
manter ciente dessas frustrações e
formular seus elos com os países
asiáticos de forma a reconhecer a
realidade do papel regional crescente que a China tem a desempenhar. A China está rapidamente
emergindo como o propulsor do
crescimento asiático, o que lhe dá
mais influência e capacidade.
Washington precisa dedicar atenção consistentemente à administração de suas relações com amigos e aliados regionais, se quiser
manter sua influência.
Uma tarefa de prazo mais longo, para a comunidade internacional como um todo, é garantir
que a nova diplomacia chinesa seja consistente com a segurança e
estabilidade regionais. Os principais líderes políticos da China
consideram que os próximos 20
anos são uma oportunidade estratégica para desenvolver seu
país. Existe uma abertura para
que a comunidade internacional e
seus líderes aproveitem essa
chance, igualmente, para administrar bem a emergência da China como potência diplomática.
Evan S. Medeiros é cientista político associado na RAND Corporation, organização de pesquisa na Califórnia. M. Taylor
Fravel é pesquisador do Instituto Olin
de Estudos Estratégicos, na Universidade Harvard.
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