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ESTRANHOS NO PARAÍSO
Nos últimos dez anos, o total de presos ao atravessar a fronteira com o México cresceu dez vezes
Brasileiros ilegais nos EUA batem recorde
RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK
Márcia, uma imigrante ilegal
que deixou o Brasil em 2002 e hoje
mora em Nova York, diz que tentou por três vezes conseguir o visto de turista para entrar nos EUA
-com a intenção de permanecer
para trabalhar. "Antigamente era
mais fácil. Fui lá com toda a documentação, não deu. Aí resolvi vir
pelo México."
Ela faz parte da face oculta de
números conseguidos pela Folha
que mostram que a quantidade de
brasileiros presos após atravessar
a fronteira do México para entrar
nos EUA aumentou mais de dez
vezes em quatro anos -passou
de 488, em 1999, para 5.008, no
ano passado.
Não há contabilidade precisa
dos que tentam nem dos que conseguem entrar, pela razão óbvia
de se tratar de uma atividade ilegal. Mas o governo americano reconhece que a quantidade dos
que se arriscam é proporcional à
dos que são pegos, e especialistas
apostam numa relação de três casos bem-sucedidos para cada tentativa frustrada pelas autoridades
dos EUA.
Márcia é, portanto, um exemplo
do número crescente de brasileiros que têm trocado o visto de turista e a viagem aérea direta para
os EUA por uma travessia que pode custar até US$ 10 mil -pagos
às quadrilhas que têm ramificações no Brasil e no México- e, na
melhor das hipóteses, implicará
passar dias no deserto ou cruzar
rios a nado.
A pedido da Folha, a Patrulha
de Fronteira, vinculada ao Departamento da Segurança Interna
(órgão do governo americano que
unifica as funções de controle de
imigração, fiscalização de fronteiras e prevenção ao terrorismo), levantou o número de brasileiros e
o total de pessoas detidas ao tentar cruzar ilegalmente a "fronteira
sudoeste" -divisa com o México.
Em 1999, foram 488 brasileiros
detidos. Em 2000, 1.241; em 2001,
3.105; em 2002, 2.946; e em 2003,
5.008.
Os números são contabilizados
entre o dia 1º de outubro do ano
anterior e o dia 30 de setembro do
ano a que se referem.
Neste ano, até a terceira semana
de junho, 4.401 brasileiros já haviam sido detidos. Segundo Mario Villarreal, porta-voz da Patrulha de Fronteira, o total de detidos
deve se manter no patamar do
ano passado, ultrapassando por
pouco os 5.008 de 2003.
Os números de brasileiros detidos são ainda mais significativos
se comparados ao total de pessoas
paradas pela patrulha nos mesmos anos. A tendência é inversa,
havendo declínio entre 2000 e
2003, com novo aumento em
2004 -insuficiente, no entanto,
para representar um aumento geral no mesmo período.
Em 1999, 1,537 milhão de pessoas foram detidas na fronteira.
Em 2000 foram 1.643.679; em
2001, 1.235.717; em 2002, 929.809;
e em 2003, 905.065. Logo, enquanto o número de brasileiros
detidos entre 1999 e 2003 aumentou 926%, o número total de ilegais presos pela patrulha de fronteira caiu 41% no mesmo período.
Neste ano, até a terceira semana
de junho, 825.305 pessoas haviam
sido detidas, no total, na fronteira
sul. Faltando ainda 1/4 do período
a ser contabilizado (até 30 de setembro), é razoável supor que o
número ultrapassará o do total de
2003. Mas é bastante improvável
que supere o de 1999.
Ou seja, o aumento no número
de detenções de brasileiros não se
deve a um simples recrudescimento maior da vigilância na divisa com o México -o que deveria provocar um aumento proporcional, caso esse fosse o único
fator em questão, no número de
brasileiros e no número total de
detidos.
Segundo John Keeley, do Centro para Estudos de Imigração,
para cada pessoa detida ao tentar
entrar, estima-se que três consigam entrar ilegalmente nos EUA.
Mario Villarreal, da patrulha de
fronteira, diz preferir não especular sobre o número dos bem-sucedidos, mas afirma que há "proporção" entre prisões e casos de
entrada ilegal.
Ele enumera, entre as causas gerais para aumento de imigrantes
desse ou daquele país, "crises econômicas, mudanças de administração, desvalorizações das moedas locais, desastres naturais".
Mas os brasileiros ilegais entrevistados pela Folha em Nova
York dizem todos que a crescente
dificuldade para conseguir o visto
de turista é o principal incentivo
para a opção pela travessia a partir do México, onde a entrada é
mais fácil.
O advogado Moisés Apsan, que
trabalha há mais de 20 anos nos
EUA com causas de imigrantes,
concorda. "Os brasileiros aprenderam como entrar neste país.
Não tem outro jeito, porque eles
vão ao consulado e não conseguem visto", diz.
Apsan fala que os riscos estão
muitas vezes associados aos responsáveis pela empreitada -que
cobram para realizar a travessia-, conhecidos como "coiotes". Há diferentes quadrilhas,
que competem entre si, denunciando grupos liderados por adversários às autoridades americanas no momento da tentativa de
cruzar a fronteira. "Há os que fazem o serviço bem feito, e outros
que podem até matar ou deixar
alguém no caminho sem água."
Um "coiote" brasileiro contatado pela Folha em Governador
Valadares (MG) -que concordou em falar sob a condição de
não ter seu nome revelado- bota
a culpa nos Estados Unidos: "Se o
governo americano fosse mais flexível, não teria esse fluxo de gente
entrando pelo México".
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