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MÁRCIA, A FAXINEIRA
"Desmaiei, não conseguia mais"
DE NOVA YORK
No final de maio de 2002, Márcia, 34, passou nove dias no deserto que, no extremo oeste dos dois
países, separa o México dos EUA.
Fazia parte de um grupo de sete
brasileiros conduzidos por dois
mexicanos, os coiotes, que cobraram US$ 6.000 por pessoa para
guiá-los na travessia.
Após terem viajado de avião até
a Cidade do México, novamente
de avião até Guadalajara (onde
pagaram US$ 500 cada para policiais mexicanos, ela diz) e de ônibus e van até a fronteira, esperavam do lado mexicano uma falha
da patrulha de fronteira.
"A gente subia a serra, aí pelas
oito horas, já escurecendo. Ficávamos até as dez, e eles falavam:
"Hoje não dá para passar". A gente
descia. Foram oito vezes assim,
subindo e descendo."
Antes, quando alcançaram pela
primeira vez o pé dessa serra, foram orientados a se desfazer da
pouca bagagem que tinham levado até ali. "Dormíamos nas pedras, nas cavernas. Jogamos tudo
fora. Os coiotes catam tudo. A
gente coloca uma roupa por cima
da outra e vai jogando fora."
"Quando finalmente passamos,
começamos a andar mais ou menos às nove da noite, o que terminou só na manhã do outro dia.
Foram mais de 100 km a pé."
O caminho de Márcia, o mais
difícil, é por isso mesmo o mais
barato. Segundo um coiote de Governador Valadares ouvido pela
Folha, a travessia por essa região
custa cerca de US$ 6.000, enquanto pela fronteira com o Texas, no
lado leste do país, sai por pelo menos US$ 8.000.
"Comíamos uma vez por dia, os
coiotes traziam macarrão. No outro dia, era arroz com feijão, carne. E água. A gente tinha de carregar água com a gente, senão morria de sede. Carregava nesses galõezinhos. Na caminhada final, eu
desmaiei. Almocei hoje, vamos
supor, e passei a noite andando.
Dez horas da manhã, mais ou menos, a gente andando, andando.
Desmaiei, não conseguia mais."
Chegaram depois a uma fazenda, e, de lá, foram de van até Los
Angeles. Ficaram presos numa
casa com outras 15 pessoas
-"Não podíamos conversar nada, tinha que ficar todo mundo
calado". Tomaram outra van e
passaram três dias e três noites
cruzando os EUA, da Califórnia
até Nova York. Uma amiga de seu
irmão, que mora nos EUA, era a
dona do carro e viajava acompanhada de sua filha. "Ela levou
uma menininha de um ano. Foi
graças a ela que não fomos presos.
O guarda mandou parar. Ele pediu o documento, mas, quando
viu a menina na cadeirinha dela,
deixou seguir."
Márcia faz faxina e trabalha cuidando de crianças. Diz ganhar
US$ 430 por semana. No Brasil,
trabalhando "com telemarketing", recebia R$ 600 por mês.
Economiza quase US$ 1.000 por
mês, diz, mas, no final do ano passado, gastou tudo com a reforma
da casa de sua mãe, em Goiânia.
Esconde os livros de inglês na mochila quando vai ao curso noturno que faz, com medo de que a
polícia perceba que é imigrante. E
sente saudades dos três filhos -é
por causa deles, um de 7, outra de
13 e um mais velho de 19, diz, que
está tentando ganhar dinheiro
nos EUA.
"Já estava chorando agorinha,
vendo uma fita que minha mãe
mandou." Vale o sacrifício? "Ô
menino, tem hora que eu acho
que sim, tem hora que acho que
não. Porque eu estou perdendo a
melhor fase da minha filha. Meu
filho está com sete anos. Não vejo
o dentinho dele cair, não vejo o
outro nascer. Tem hora que eu
acho que não compensa."
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