São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

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CHOQUE NA FRANÇA

Segundo turno inicia luta contra a extrema direita, que deve continuar na eleição legislativa de junho

França trava hoje "guerra civil" nas urnas

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

Uma "guerra civil" começa a ser travada hoje nas urnas do segundo turno das eleições presidenciais da França.
De um lado, estarão cerca de um quinto dos eleitores, depositando seu voto para a extrema direita de Jean-Marie Le Pen, 74. De outro, o restante do país, tentando salvar a democracia por meio do apoio que entregarão ao candidato de centro-direita Jacques Chirac, 69.
É uma guerra apenas parcialmente ganha por Chirac e a chamada "frente republicana" que se formou ao seu redor. Em junho, a França terá eleições legislativas, e o confronto com a extrema direita voltará a ser colocado, com dificuldades ainda maiores, diante do quadro de desagregação da esquerda. Do resultado de hoje dependem a performance da Frente Nacional, partido de Le Pen, nas 577 circunscrições do país, e o futuro da democracia francesa.
Cientistas políticos calculam que, se Le Pen obtiver cerca de 20% dos votos no segundo turno, ele já terá ganho uma força inédita. Se alcançar mais de 30%, a Frente Nacional poderá desestabilizar o sistema político. "Tendo obtido 17% [no primeiro turno: 16,8%", se eu fizer 18% já será um ganho. Todos os votos que eu tiver a mais serão votos vencedores", disse Le Pen anteontem.
Segundo pesquisa divulgada antes do encerramento da campanha, na sexta-feira, Chirac terá hoje entre 64% e 82% dos votos, e Le Pen, entre 18% e 36%. O primeiro número indica a porcentagem de eleitores que têm absoluta certeza de que votarão no candidato. O segundo representa os que disseram ter optado a princípio pelo candidato, mas não estavam totalmente certos disso.

Atenção total
A Europa inteira estará de olhos bem abertos nestas eleições, nas quais, pela primeira vez num segundo turno, concorre um político de extrema direita. Elas representam um teste de resistência da democracia contra o radicalismo político. São também uma prova colocada pela oposição nacionalista ao processo de unificação do continente. Le Pen disse que, se for eleito, uma de suas primeiras medidas será fazer um referendo para tirar a França da União Européia e restabelecer o franco.
"Mais do que nunca, Chirac tem uma enorme margem de manobra européia. Ele vai reafirmar a escolha da França pela Europa para marcar sua oposição a Le Pen", declarou Heather Grabbe, diretora de pesquisa do Centro Britânico para as Reformas Européias.
As eleições implicam ainda o revigoramento da centro-direita na Europa e um sinal de declínio da centro-esquerda. A chegada de Le Pen ao segundo turno abriu a crise do Partido Socialista, que até agora tenta se restabelecer do choque que sofreu com a eliminação de seu candidato, o premiê Lionel Jospin, 64, dado como favorito para o segundo turno.
No primeiro turno, a coligação dos quatro partidos de esquerda que sustentava o governo socialista na chamada "esquerda plural" se desfez e cada um deles apresentou um candidato diferente.
Os votos para a centro-esquerda foram em menor número do que o esperado, ao contrário da extrema esquerda, com quatro concorrentes, que obteve uma votação inédita -cerca de 10%.
A dispersão dos votos da esquerda foi uma das principais causas aventadas para explicar a chegada de Le Pen ao segundo turno. Outra foi a ênfase dada pelos principais políticos à questão da segurança durante a campanha, tema que é um dos carros-chefes do programa lepenista.
O sentimento de repetição causado pela presença nas eleições de Chirac, presidente da França há sete anos, e de Jospin, seu premiê há cinco anos, também pode ter desmotivado os franceses. O primeiro turno registrou a maior abstenção da história do país (28%) e Chirac, acossado por acusações de corrupção, chegou em primeiro lugar no segundo turno, mas com o índice mais baixo já obtido por um candidato (19,8%).
A confirmação de Le Pen na final das eleições presidenciais foi um choque político e social de enorme impacto na França. O 21 de abril, domingo do primeiro turno, chegou a ser comparado ao 11 de setembro, data dos ataques terroristas aos EUA.
Desde aquela data, centenas de manifestações se espalharam pelo país. No último dia 1º, mais de 1 milhão de pessoas saíram às ruas para protestar contra Le Pen e o fascismo. Foi uma das maiores mobilizações cívicas da França desde o pós-Segunda Guerra. Um dos milhares de cartazes do megaprotesto em Paris avisava: "Melhor votar certo hoje do que pegar em armas amanhã".


Com agências internacionais



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