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ARTIGO
JEFFREY SACHS
Mundo deveria negar ajuda a Bush no Iraque
Os Estados Unidos querem que,
numa reunião de países doadores
a ser realizada em Madri em outubro, o mundo se comprometa a
dedicar bilhões de dólares à reconstrução do Iraque. A resposta
do mundo deveria ser um "não"
inequívoco.
A reconstrução de longo prazo
do Iraque não exige assistência financeira do exterior. O que ela requer é um acordo político, e isso
só será possível com a retirada do
Exército norte-americano de ocupação.
Os bilhões de dólares que os
EUA tentam obter deveriam ser
dirigidos para a solução de emergências globais reais, tais como a
luta contra a Aids e a fome.
A administração George W.
Bush lançou sua guerra contra o
Iraque provavelmente porque
tencionava fazer do país uma nova base para as operações militares americanas na região do golfo
Pérsico.
Após os atentados do 11 de Setembro, o governo americano
quis retirar suas tropas da Arábia
Saudita e, ao que parece, escolheu
o Iraque como sua nova base operacional de longo prazo.
Acredito que seja por isso que
os EUA se opõem de maneira tão
intransigente à transferência, no
curto prazo, da soberania para os
iraquianos.
Um Iraque realmente soberano
pode muito bem
mandar as tropas
dos EUA se retirarem de seu território.
Enquanto os
EUA permanecerem como força
de ocupação no
Iraque, é pouco
provável que o
país alcance a necessária estabilidade política.
Sem estabilidade política, a recuperação econômica iraquiana também se torna pouco provável.
Os EUA são vistos por muitos iraquianos como potência de ocupação colonial, e,
portanto, são alvo
de ataques não
apenas por parte
das forças leais a
Saddam Hussein,
mas também de
nacionalistas iraquianos de tendências diversas,
sem falar em combatentes árabes de países vizinhos.
Os ataques contra a ocupação
americana estão destruindo não
apenas vidas, mas também a economia iraquiana. Os atacantes já
conseguiram interromper a saída
de grande parte do petróleo exportado pelo país.
O oleoduto que liga o norte do
país à Turquia já foi alvo de repetidas explosões e está funcionando apenas esporadicamente,
quando funciona.
Os campos petrolíferos do sul
do Iraque não têm eletricidade
suficiente para operar com sua
plena capacidade porque a grade
elétrica também vem sendo alvo
de atentados repetidos.
De fato, consta que o Iraque está
extraindo apenas entre 1 milhão e
2 milhões de barris de petróleo
por dia, em lugar dos 2 milhões a
3 milhões de barris por dia que
poderia alcançar facilmente em
situação de paz.
É essa escassez de ganhos com o
petróleo a verdadeira causa da
crise financeira iraquiana, não a
falta de assistência externa.
Cada redução de 1 milhão de
barris por dia se traduz em receita
de cerca de US$ 30 milhões por
dia perdida, ao preço mundial
atual de US$ 30 por barril.
Isso quer dizer que, se o Iraque
aumentasse suas exportações em
1 milhão de barris por dia -algo
que o país poderia facilmente fazer desde que os ataques contra
sua infra-estrutura cessassem-,
o país teria aproximadamente
US$ 10 bilhões por ano de receita
adicional com a qual dar início à
reconstrução.
A produção petrolífera do Iraque provavelmente poderia subir
para aproximadamente 5 milhões
de barris por dia no prazo de três
anos.
Isso representaria de 3 milhões
a 4 milhões de barris por dia além
da produção atual, ou seja, de US$
30 bilhões a US$ 40 bilhões por
ano -o bastante não apenas para
restaurar os serviços básicos no
país, mas também para garantir
avanços importantes a médio
prazo em termos de padrões de
vida da população e de crescimento econômico.
Nesse nível de produção, o Iraque seria um país de renda média,
com PNB (Produto Nacional Bruto) per capita de vários milhares
de dólares por ano, incluindo a
produção não-petrolífera. Em suma, o país não precisaria de nenhuma assistência oficial ao desenvolvimento.
Os maiores custos no Iraque
não dizem respeito à reconstrução, mas às tropas americanas. Os
Estados Unidos estão gastando
nada menos do que US$ 51 bilhões por ano para manter 140 mil
homens estacionados no país
-um custo espantoso de US$
360 mil por soldado por ano.
Os EUA poderiam poupar dezenas de bilhões de dólares por ano
se retirassem o quanto antes suas
tropas do Iraque.
Se, depois disso,
dessem ao governo do Iraque em
2004 apenas uma
fração do dinheiro
poupado, não faltaria receita extra
para a administração do país e para
financiar a retomada da produção petrolífera.
Além do desperdício chocante de
vidas e de dinheiro com a Guerra
do Iraque, os EUA
prestaram outro
grande desserviço
ao mundo.
Ao centrar a
atenção mundial
sobre uma crise
econômica na realidade inexistente,
desviaram a atenção pública de crises sérias e reais.
O mundo aplaudiria em pé se, na
reunião de países
doadores marcada para este mês,
os EUA convocassem os presentes a
voltar sua atenção
a questões que
realmente são de vida ou morte,
como o combate à Aids e à fome.
Considere-se a batalha contra a
Aids, a tuberculose e a malária.
Cerca de 8 milhões de pobres no
mundo vão morrer em 2004 dessas três doenças tratáveis e que
podem ser prevenidas.
Em 2001 o mundo criou o Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária. No entanto,
para o ano fiscal de 2004, a administração George W. Bush já reservou US$ 71 bilhões para o Iraque e apenas US$ 200 milhões para o Fundo Global.
Para cada dólar endereçado ao
Fundo Global, o governo Bush está mandando US$ 350 para o Iraque. São prioridades grosseiramente distorcidas.
E, o que é ainda pior, os EUA estão encorajando outros países
doadores a cometerem o mesmo
erro.
Chegou a hora de o mundo ser
intransigente com os EUA, dizendo que outros países não vão financiar a ocupação americana do
Iraque.
Os EUA precisam deixar claro
que pretendem retirar suas tropas
em prazo curto e por completo.
Ademais, os EUA devem parar de
desperdiçar tanto dinheiro com
gastos militares e redirecionar
seus esforços para os setores mais
pobres da população mundial.
É um esforço financeiro com o
qual o mundo pode e deve colaborar.
Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto da Terra da
Universidade Columbia.
Tradução de Clara Allain
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