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Farc terão agonia lenta caso não negociem, diz general
Ministro da Defesa de Uribe, prestigiado por resgate, seria favorito para sucessão se presidente desistir de buscar terceiro mandato
Instrutor de comandantes militares colombianos espera lucidez de chefe da guerrilha
Scott Dalton - 1º.mai.00/Associated Press
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Alfonso Cano, o chefe das Farc; interceptação telefônica impede comunicação entre guerrilheiros e foi fundamental para resgate
ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A BOGOTÁ
O general da reserva Álvaro
Valencia Tovar, uma das principais autoridades em defesa e
segurança da Colômbia, tem
duas certezas: a vitoriosa ação
de resgate da ex-senadora Ingrid Betancourt, três norte-americanos e 11 policiais e militares do próprio país foi planejada e executada exclusivamente pelo Exército colombiano, e
é "totalmente falso, uma absoluta mentira" que o governo tenha comprado guerrilheiros.
Na ativa, Valencia foi instrutor dos atuais comandantes das
três Forças, Freddy Padilla, e
do Exército, Mario Montoya, e
garante que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) estão cercadas, grampeadas, sem comunicação e
sem abastecimento e só têm
duas alternativas: negociar ou
se autodestruir "numa agonia
lenta e inevitável".
Aos 80 anos, Valencia é um
misto de consultor, colunista e
mentor de gerações militares.
Lúcido, é capaz de ditar números, datas e nomes sem titubear. Segue a entrevista, feita
em sua casa em Bogotá.
FOLHA - O que vai acontecer com
as Farc?
ALVARO VALENCIA TOVAR - Elas
não acabaram. Foi um golpe
muito duro, que as debilita ainda mais, mas não sabemos qual
será a reação do Alfonso Cano
[líder das Farc desde a morte de
Manuel Marulanda, em março]. Ele queria a guerra de qualquer jeito. Entretanto estudou
antropologia e, mesmo sem se
graduar, tem um nível intelectual mais alto que o dos demais
líderes das Farc. Ou seja, tem a
compreensão necessária para
aceitar que estão derrotados e
têm de negociar. O objetivo do
governo não é destruir as Farc,
é acabar com a guerra.
FOLHA - O que o governo poderia
oferecer, com que condições?
VALENCIA - Já há a Lei de Justiça, Paz e Reparação, que permite lhes dar um tratamento especial. Foi feita para os narcotraficantes, mas pode ser aplicada para essas forças revolucionárias. Mas eles teriam a obrigação de reparar, com o dinheiro que têm, as famílias que
foram mais prejudicadas neste
período de guerra. Teriam que
se submeter à Justiça, mas com
termos de sentença bastante
favoráveis e com condições de
reingresso à vida normal num
tempo relativamente curto.
FOLHA - Com tanto dinheiro, elas
não podem ter sobrevida?
VALENCIA - Eles estão dispersos, com dificuldades de abastecimento, suas comunicações
estão destruídas. Como vão
coordenar suas ações se não
podem abrir a boca porque o
Exército se inteira de tudo?
FOLHA - Como o chefe responsável
pelos reféns foi tão ingênuo de juntar justamente os mais importantes
e embarcá-los candidamente num
helicóptero desconhecido?
VALENCIA - Porque quem lhe
passou a instrução imitou perfeitamente a voz de Alfonso Cano e ele estava impossibilitado
de checá-la, para não ser captado pela inteligência militar. Tudo foi muito bem calculado. A
inteligência militar sabia exatamente onde eles estavam porque há infiltrações bem feitas.
FOLHA - Uma rádio suíça divulgou
que foram pagos US$ 20 milhões para o resgate deles.
VALENCIA - Isso é totalmente
falso, não tem nenhuma base
que possa ser comprovada. É
negar que o presidente e o
Exército da Colômbia fizeram
uma operação perfeita, que fizeram. O general Padilla deu
sua palavra de honra de que
não se deu um só peso. A prova
são os dois comandantes que
entraram no helicóptero. Nenhum chefe guerrilheiro se entrega para ser enviado aos EUA
e ali pagar seus delitos.
FOLHA - E o infiltrado continua
com as Farc? E o perigo?
VALENCIA - Possivelmente, o
que corre mais perigo é o que
vigiava os seqüestrados. O serviço de inteligência está convencido de que os infiltrados
não serão identificados porque
estão em posições importantes.
FOLHA - Se não houver negociação, o que vai acontecer?
VALENCIA - Podem seguir guerrilhas pequenas, isoladas, mas
presas ao narcotráfico. Até
quando? Isso é uma agonia lenta e inevitável. Eles vão se encarregar da própria destruição.
FOLHA - Pode haver um ataque definitivo contra elas?
VALENCIA - Não um ataque único, definitivo, como numa
guerra convencional, porque
eles estão muito dispersos. Mas
pode haver, sim, uma série de
ataques pequenos e precisos. E,
na medida em que o Exército
for fechando o cerco, vão se repetir as "Karinas" [Nelly Ávila,
líder que ficou isolada e perdida
e acabou se entregando], as delações contra os próprios chefes e as dos camponeses, seja
por causa das recompensas,
que podem chegar a milhares
de pesos, seja porque a guerrilha virou uma praga, a população civil quer acabar com ela.
FOLHA - Diante desse quadro, é
possível que a guerrilha se refugie
além-fronteiras, como no Equador?
VALENCIA - Possível é, mas eles
não têm perspectiva de êxito
em nenhum país, não vai adiantar nada. Até Fidel Castro já diz
que guerrilha não tem mais
sentido de ser. A revolução cubana foi contra um ditador e
um governo corrupto, com um
Exército que não passava de
guarda pretoriana do ditador.
Hoje, os países latino-americanos têm democracias que podem ser mais ou menos perfeitas, mas já não há mais um ditador que justifique tomar o poder pelas armas.
FOLHA - Como o sr. vê o regime de
Chávez na Venezuela?
VALENCIA - Num determinado
momento, ele quis transformar
as Farc num instrumento para
mudar o poder na Colômbia e
completar uma zona de governos do seu projeto bolivariano,
que já tem Rafael Correa
[Equador], Evo Morales [Bolívia] e Daniel Ortega [Nicarágua]. Quando vieram os computadores de Raúl Reyes [líder
morto das Farc], comprovando
que ele, sim, as apoiou, ele temeu que Uribe o denunciasse
na ONU como governo delinqüente. Ele apoiou as Farc dentro de uma perspectiva de poder, que elas não mais têm. O
mesmo vale para Correa, que
está numa posição tão radical
contra a Colômbia.
FOLHA - Por que Uribe está tão isolado no continente?
VALENCIA - Porque os países,
sobretudo andinos, estão muito influenciados por Chávez.
Foram eleitos com dinheiro de
Chávez e viraram chavistas.
Uribe é o contrário de Chávez.
FOLHA - E a excessiva dependência
dos EUA?
VALENCIA - A posição da Colômbia é de aliada dos EUA, e a esquerda latino-americana sempre foi antigringa. Um presidente "gringófilo" não merece
maior apoio dos demais.
FOLHA - E o Brasil? Ele também votou contra a Colômbia na OEA no caso do Equador.
VALENCIA - Sim, porque há o
princípio da soberania e a Colômbia de fato violou esse princípio, mas há um artigo na Carta da ONU que ressalva a legítima defesa, em caso de se sentir
ameaçado por outros países
que apóiam no terrorismo. O
Equador já tinha sido avisado
várias vezes da presença das
Farc e nunca fez nada.
FOLHA - Mas e o Brasil?
VALENCIA - O Brasil é neutro.
Não concorda com tudo do governo da Colômbia manifestamente, mas tampouco é hostil.
Lula mantém excelentes relações conosco, mas não quer se
imiscuir de nenhuma maneira
no nosso problema. Pode ser
que tenha razão.
FOLHA - Lula é mais amigo de Chávez ou de Uribe?
VALENCIA - Também é neutro.
Ele sabe que Chávez quer ser
amigo para tirar vantagens, não
para ser amigo. Lula é muito inteligente para cair nessa.
FOLHA - O sucesso do resgate de
Ingrid Betancourt vai impulsionar a
tese do terceiro mandato de Uribe?
VALENCIA - Sem dúvida, mas
não se sabe se ele vai de fato
buscar o terceiro mandato. Até
porque muitos partidários dele
na Colômbia não são partidários do terceiro mandato. No
meu caso, acho que um terceiro
mandato pode fazê-lo perder
muito do que já ganhou, inclusive internacionalmente.
FOLHA - Se não disputar, quem será o candidato dele?
VALENCIA - Não creio que já tenha um, mas o que ele veria
com mais gosto hoje seria o ministro da Defesa, Juan Manuel
Santos, sobretudo depois desse
êxito do resgate de Ingrid Betancourt.
NA INTERNET -
www.folha.com.br/081871
Leia a íntegra da entrevista
com o general Valencia Tovar
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