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SUCESSÃO NOS EUA/ENTREVISTA
"Obama conversará com adversários"
Para Samantha Power, sua ex-assessora de política externa, democrata foi influenciado por diplomata brasileiro
Acadêmica, que biografou Vieira de Mello, defende uso de persuasão com o Irã, contra plano nuclear, e a China, por direitos humanos
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
O diplomata brasileiro Sérgio
Vieira de Mello influenciou Barack Obama. Ao menos suas
idéias. É o que diz Samantha
Power, até março uma das
principais e mais combativas
assessoras de política externa
do candidato democrata à Casa
Branca. "Obama está tentando
mudar toda a cultura política
nos EUA, a política externa
americana ao seguir muitas das
políticas que a vida de Sérgio
sugere que eram as corretas,
como falar com seus adversários", disse à Folha.
Vencedora do prêmio Pulitzer por seu livro sobre genocídio, a escritora e acadêmica irlandesa de 37 anos chega ao
país na semana que vem para
lançar a versão em português
de "O Homem que Queria Salvar o Mundo" (Companhia das
Letras), biografia de Sérgio
Vieira de Mello, diplomata brasileiro da ONU assassinado pelo primeiro atentado a bomba
ocorrido no Iraque, em 2003.
Embora tenha dito que não
representa mais a campanha
de Obama desde que chamou
Hillary Clinton de monstro"
em março, numa frase "off the
record", Power tem encontro
com o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva -entregará o livro em mãos. Eis os principais
trechos da entrevista:
FOLHA - Quando o conheceu, em
1994, na Bósnia, a sra. disse que Sérgio Vieira de Mello tinha "a possibilidade de ser o rosto que nunca tivemos -para o Direito internacional,
para as instituições internacionais,
poderia ser um tipo de mudança de
paradigma". Parece com a descrição
que a sra. faria de Obama. É correto
pensar que a sra. viu no brasileiro
um "Obama da diplomacia"?
SAMANTHA POWER - Sim, eles são
semelhantes no sentido de que
ambos são agentes de esperança e mudança. O que os une é
uma ênfase na diplomacia e o
entendimento de que mesmo
que você não concorde com alguém ou condene o comportamento de outro ator internacional, às vezes, por razões
muito pragmáticas, tem de sentar com ele e então entender
que o medo pode embaçar seu
julgamento. Isso é algo que milhões de pessoas no mundo inteiro vivem, medo da polícia, de
ficar com fome, medo de milícias. Entender a cena internacional atual também os une.
FOLHA - A sra. disse numa entrevista que "houve um tempo em que a
visão em círculos internacionais era
a de que não deveria haver interferência nos assuntos internos de uma
nação soberana". Agora a questão é
se você tem o direito, como diplomata, de criticar o governo que o
hospeda ou um aliado ou inimigo
em termos de direitos humanos.
Quão longe a sra. iria em relação a
um pais como Irã ou China?
POWER - No caso do Irã, eu
acho que o enriquecimento de
urânio é um fato preocupante,
eu não acho que as pessoas no
mundo inteiro devam dizer:
"Bush diz que é ruim, então eu
tenho de dizer que é bom". Sim,
Bush diz que é ruim, e suas políticas pioraram, mas todos nós
temos de achar uma maneira
de dissuadir os iranianos de sua
busca por armas nucleares,
pois isso desestabilizará não só
o Iraque e Israel, mas muitos
países sunitas na vizinhança,
que também vão querer armas
nucleares para se defender. O
melhor é se comprometer em
altos níveis, o que eu acho que
os EUA não fizeram ainda.
Mais pressão tem de ser colocada na China e na Rússia para
se alinharem nas sanções.
Quanto à China, é muito difícil, de fora, ter impacto sobre o
governo deles. Mas é importante para os EUA pararem, eles
próprios, de cometer abusos e
reconquistarem sua credibilidade nas questões de direitos
humanos -e então se juntarem
a outros países e apresentar
blocos internacionais com credibilidade para encorajar Pequim a seguir um caminho diferente e lembrar a China que desenvolvimento econômico e estabilidade são compatíveis e se
beneficiam da democratização.
Mas se os EUA lidarem com o
Irã sozinhos e com a China sozinhos podem soar mais como
intimidação do que liderança.
FOLHA - Qual seu papel na campanha hoje e num eventual governo?
POWER - Não tenho nenhum
papel hoje -a não ser me apresentar ao público brasileiro nas
próximas duas semanas- e nenhum plano de voltar à campanha. Sou professora e darei aulas sobre extremismo a partir
de setembro, com meu marido,
a quem eu conheci na campanha de Obama. Ele é seu assessor, Cass Sunstein. Mas ficarei
honrada de fazer qualquer coisa para ajudar Obama a acertar
a política externa norte-americana, recuperar parte do que os
EUA perderam desde 2000.
FOLHA - Quanto ao comentário sobre Hillary Clinton: o quanto dói ter
sido tirada da campanha por ele?
POWER - Eu me arrependo por
[ter dito] algo de que as pessoas
que criticaram a Hillary no passado se aproveitam para validar
suas posições, com as quais eu
não concordo. Em outras palavras, ela sempre foi um modelo
para uma mulher como eu. O
mundo deve a ela. E esse comentário ter alimentado alguns dos preconceitos existentes me deixa profundamente
envergonhada... É de quebrar o
coração que eu e minha boca
grande tenham me privado da
oportunidade de trabalhar com
essas pessoas...
FOLHA - Qual seria seu conselho
para melhorar a relação entre Brasil
e Estados Unidos?
POWER - A relação entre os dois
países deveria e pode ser fundamental para a restauração da
credibilidade e do respeito dos
EUA na América Latina e, mais
amplamente, no mundo. Comércio, missões de paz, há tantas áreas que se intercalam, essa é uma das relações negligenciadas que se beneficiarão
enormemente com a mudança
de liderança em Washington.
Obama se sentará com o presidente Lula e os dois arregaçarão as mangas e realmente pensarão juntos em como se unir
com credibilidade na região para cumprir necessidades reais.
NA FOLHA ONLINE
www.folha.com.br/082195
leia íntegra da entrevista
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