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MÍDIA
Para o ex-repórter do "Times" e autor de biografia do jornal, confia-se demais em informações dadas por fontes não identificadas
Talese liga caso "NYT" a pobreza jornalística
A reportagem não é mais cara a cara. Quando eu era repórter, queria ver o rosto das pessoas
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ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK
Autor do mais famoso livro sobre a história do jornal "The New
York Times", Gay Talese vê dois
grandes problemas a partir da crise atual.
Um vale para toda a profissão.
Em sua opinião, a história recente
do diário mostra que os jornalistas deveriam parar de divulgar informações sem identificar a fonte
-o chamado "off the records".
Outro é específico do diário nova-iorquino, que ele classifica como espelho do que acontece com
o governo americano. Na sua
comparação, Jayson Blair, o repórter-inventor, faz o papel que
coube aos terroristas dos atentados de 11 de setembro de 2001.
As semelhanças emergiriam até
no episódio da última quinta,
quando os dois principais editores do jornal pediram demissão.
"A troca de editores é como no
governo americano. E o país segue em frente", disse Talese, 71,
em entrevista na sexta-feira.
Ele trabalhou no diário de 1955
a 1965. Quatro anos depois, publicou "O Reino e o Poder", livro que
conta a história do jornal mais famoso do mundo.
Folha - O que essa crise vai mudar
no modo de fazer jornalismo?
Gay Talese - Vai deixar os editores mais fortes e os repórteres
mais cuidadosos. É bom. Na última geração, as coisas não têm sido bem feitas na América. Nós
não fazemos as coisas direito.
Folha - Como o quê?
Talese - Não fazemos carros direito, não fazemos bem ternos. E
não fazemos matérias direito,
porque a reportagem se tornou
muito tática, confiando em e-mail, telefones, gravações. Não é
cara a cara. Quando eu era repórter, nunca usava o telefone. Queria ver o rosto das pessoas. Os dois
editores não viam a cara do repórter que eles contrataram. E as reclamações de editores de que Jayson Blair deveria parar de escrever foram feitas por e-mail.
Isso é muita tecnologia no jornalismo. Não se anda na rua, não
se pega o metrô ou um ônibus,
um avião, não se vê, cara a cara, a
pessoa com quem se está conversando. Esse é o primeiro ponto.
Ponto dois: não há atribuição
suficiente de declarações às pessoas. Deveria ser o fim das pessoas falando "off the records". Se
a pessoa não quer me dar a informação, ok, eu não quero a informação. Tem de haver "accountability" [obrigação de prestar contas]. A chave é "accountability".
Folha - Mas o sr. não acha que o
"off the records" foi importante
em casos como o Watergate?
Talese - Não acho. O chamado
"Garganta Profunda" do Watergate pode ter sido três pessoas,
cinco pessoas, uma pessoa, pode
ser ninguém. Eles queriam tanto
destruir o presidente Nixon, queriam tanto vê-lo sair de Washington, que mais cedo ou mais tarde
fariam qualquer coisa.
Eu escrevi uma longa carta ao
"New York Times" em 1999 reclamando que uma edição que eu li
naquele dia tinha 15 reportagens
nas quais as fontes não eram
mencionadas. Uma era de Washington, outra era uma história
internacional, outra de negócios,
outra estava na página esportiva,
tudo. Os repórteres ficaram muito preguiçosos. Eles estão tão preguiçosos que isso os leva a mentir.
O repórter que mentiu e arruinou a carreira de tanta gente certamente nunca deveria ter começado uma carreira. Mas isso tudo
representou a tecnologia, dizer
que você está
num lugar
quando você
não está, roubar dos outros,
plágio.
Então a resposta é: o que
aconteceu foi
uma boa coisa.
Eles tinham de
fazer isso. Tinham de fazer
algo dramático porque o "New
York Times" é como o governo
dos EUA. Ele ensina ao mundo
que esse é o caminho a seguir, essa
é a coisa certa a fazer.
Tinham de fazer isso com eles
mesmos, porque eles pedem às
grandes empresas para se livrarem de seus diretores.
Folha - Com a saída dos editores,
haverá mudança real?
Talese - Vai ficar da maneira que
deveria ser. Eu escrevi um bilhete
a Howell Raines depois do caso
do Jayson Blair e disse: "Espero
que, quando avaliar as mudanças,
você considere [não escrever
mais] "fontes", ou se livrar do excesso de "fontes'".
Ele nunca me
respondeu. Isso é estúpido.
Eu sou uma velha pessoa que
conheceu o
jornal e que entende o jornal.
Há um pouco
de presunção
no "Times".
O "New York Times" foi como
com o terrorismo. Tem tamanha
equipe de segurança no prédio, e
eles permitiram a esse repórter
terrivelmente ridículo, Jayson
Blair, entrar e se tornar parte do
ambiente interno, como um terrorista, espalhar o terror sobre a
verdade do jornal, como antraz.
Eles o deixaram passar pela segurança, assim como os pilotos
do 11 de setembro. Ele estava fazendo o que é o veneno do jornalismo, que é mentir. Não olharam
na cara dele. Os editores que foram forçados a renunciar não tiveram sabedoria para ver que ele
não pertencia ao jornal.
Você tem de julgar pessoas
quando é jornalista. Espera-se
que você saiba se deve confiar na
pessoa quando está colhendo informação. Toda escola de jornalismo deveria ensinar isso.
Folha - E o publisher Arthur Sulzberger Jr., o publisher?
Talese - Foi ele quem começou
tudo. Sulzberger é o dono, então o
dono pode sempre culpar o executivo por fazer isso, mas o dono
contratou essas duas pessoas, especialmente Howell Raines.
Eles queriam fazer ação afirmativa. Minorias não têm nada a ver
com jornalismo. Jornalismo não é
minoria, é um mundo à parte.
Você é um jornalista, não um negro, um chinês, um brasileiro, um
italiano ou um judeu. Você não é
de nenhuma nacionalidade. Eles
não deveria promover uma pessoa porque ela é uma lésbica, um
negro, um italiano, isso é ridículo.
Folha - O questionamento à liderança do sr. Sulzberger pode continuar a prejudicar o jornal?
Talese - Não, ele ainda está lá. Ele
é parte da família. Eles têm a loja.
Eu não conheço ninguém que foi
preparado para substituí-lo. Talvez exista alguém. Eu apenas não
conheço outro Sulzberger, eles
poderiam vir com uma mulher,
não sei. Se eles aparecessem com
uma mulher, mudaria a história.
Acho que o que eles fizeram foi:
ok, precisamos fazer algo grande,
muito grande. Estive com um repórter à noite e ele me contou como foi no prédio. Disse: "O "Times" tinha de mostrar algo à equipe, que estava brava".
O "Times" prega às empresas
americanas sobre sua responsabilidade, o "Times" tinha de fazer a
mesma coisa. E o fato de que não
se livraram da família, bem, isso é
difícil de fazer. O rei tem os vassalos. Eles têm os vice-reis lá, e então
eles matam os vice-reis. Eles se livraram de dois vice-reis. Mas a dinastia Sulzberger ainda está lá.
Folha - O "Times" vai continuar
sendo o "velho" "Times"? Como isso afeta sua credibilidade?
Talese - O "Times" é uma instituição que está no negócio há
mais de cem anos. A troca de editores é como no governo americano. O governo americano tem
maus presidentes. Alguns são
mandados embora, como Nixon.
E o país segue em frente.
O país é bom e mau. Às vezes o
país é desprezado pelo mundo como agora, como deveria ser, porque está sob má administração. E
há muitos Jaysons Blairs. Existem
mentirosos em Washington e
mentirosos no "New York Times". O "Times" e Washington
frequentemente se refletem, porque o governo é o establishment, e
o "New York Times" é o jornal do
establishment.
Folha - O neoconservador Bill
Kristol escreveu na "Weekly Standard" que o "Times" não estaria à
altura do grande diário de que os
EUA precisariam. Os neoconservadores podem usar este momento
para construir uma alternativa?
Talese - O jornal foi conservador
demais, nunca desafiou a administração. O "Times" nunca disse
a seus repórteres para entrar no
Departamento da Defesa e falar:
"Provem-nos que [o Iraque] tem
armas de destruição em massa".
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