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FÉ
Necessidade de obter voto em Hong Kong leva dirigentes a evento católico; perseguição a religiosos continua, diz igreja "underground"
Eleição faz Pequim "abrandar" ateísmo
CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM
Interesses políticos podem fazer
milagres. O proverbial ateísmo
chinês teve de dobrar-se à fé religiosa anteontem, em Hong Kong,
numa tentativa de buscar votos
para os candidatos governistas na
eleição legislativa local.
Em gesto raríssimo, dirigentes
chineses baixaram a cabeça em sinal de respeito durante uma oração católica em Hong Kong, na
abertura de uma não menos rara
exposição sobre a Bíblia.
Para analistas, foi a maneira encontrada por Pequim para melhorar sua imagem e evitar um vexame nas urnas no mês que vem,
ainda que para isso tenha sido necessário um exercício de genuflexão doutrinária. "Crentes e ateus
não deveriam ter uma relação de
mútua exclusão", disse o bispo
K.H. Ting, presidente honorário
do Conselho Cristão Chinês. "Os
ateus são nossos amigos, não nossos inimigos."
Talvez seja verdade, mas o fato é
que todas as atividades relacionadas à fé no país estão sujeitas ao
controle estrito do governo
-com exceção de Hong Kong,
onde Pequim comprometeu-se a
permitir a liberdade religiosa irrestrita ao recuperar o território
do Reino Unido, em 1997.
No resto do país, prevalecem as
limitações históricas, inclusive em
relação à Igreja Católica, porque o
governo teme que ela desempenhe na China o mesmo papel que
teve no fim dos anos 80 no colapso do comunismo na Europa.
Católicos "underground"
Na superfície, a China respeita a
liberdade religiosa. No subterrâneo, porém, o movimento católico clandestino e a repressão a ele
indicam que essa liberdade pode
ser só retórica.
"A recente inclusão de novos
itens na Constituição para proteger os direitos humanos mostra
que o país está determinado a melhorar a política de liberdade religiosa", discursou anteontem o
bispo Ding Guangxun, classificado pelo "China Daily" de "líder da
comunidade cristã chinesa".
Há uns mais "livres" que outros.
No caso do catolicismo, o Partido
Comunista rejeita a autoridade do
papa de nomear bispos e permite
o funcionamento apenas da chamada Igreja Católica Patriótica. Já
a igreja que reconhece a autoridade do papa é ilegal e tem o nome
de "underground" (subterrânea),
por manter uma estrutura clandestina de seminários, padres,
bispos e locais de reunião.
Oficialmente, o governo os ignora. "Não sei de que igrejas underground você está falando",
disse Ye Xiaowen, chefe do Departamento de Assuntos Religiosos da China, à Associated Press.
Mas elas existem -calcula-se
que haja entre 8 milhões e 12 milhões de católicos "underground". Já a Igreja Patriótica estima ter de 4 milhões a 5 milhões
de fiéis na China, país de 1,3 bilhão de habitantes.
Religião "imperialista"
"Ao longo da história, a igreja
foi instrumento de países imperialistas para invadir a China. Por
isso, os chineses não tinham boa
imagem do catolicismo e do protestantismo", disse à Folha Liu
Bai Nian, da Associação da Igreja
Católica Patriótica da China.
Segundo Liu Bai, antes da Revolução Comunista de 1949, bispos
estrangeiros ocupavam 108 das
137 dioceses do país. Em 1957, diz,
todos haviam deixado a China, e o
Vaticano não aceitou os nomes
para os postos apresentados pela
igreja local, com a chancela do governo, o que aprofundou a cisão.
O Vaticano havia apoiado os
nacionalistas liderados por
Chiang Kai-shek. Com a derrota
desse movimento para os comunistas de Mao Tse-tung, em 1949,
o papado reconheceu Taiwan, para onde fugiram os nacionalistas.
Até hoje, China e Vaticano não
mantêm relações diplomáticas.
"Na década de 50, os países ocidentais queriam usar a Igreja Católica para se contrapor ao novo
poder político da China", diz Liu
Bai. Os católicos aliados ao governo decidiram nomear os bispos
para as dioceses vagas em 1957, o
que formou a Igreja Patriótica.
Bispos e padres chineses que se
recusaram a aderir à igreja oficial
foram presos ou tiveram de abandonar o país. O caso mais emblemático é o do cardeal Ignatius
Kung, que era bispo de Xangai e
ficou 30 anos preso por se manter
fiel ao Vaticano e não reconhecer
a Igreja Patriótica.
Joseph Kung, sobrinho do cardeal -que morreu nos EUA-,
criou uma fundação cujo objetivo
é defender a liberdade religiosa na
China e assegurar a sobrevivência
da Igreja Underground, denunciando a prisão de religiosos.
O mais recente levantamento da
fundação indica que há quatro
bispos e 21 padres presos ou em
campos de trabalho forçado na
China. Seis bispos se encontram
em prisão domiciliar ou sob vigilância da polícia, e o paradeiro de
quatro padres é desconhecido.
A criação de igrejas "patrióticas" foi uma tentativa de rejeitar a
influência estrangeira (do Vaticano) e formar religiões "com características chinesas".
O respeito ao regime socialista
chinês faz parte dos compromissos que os religiosos das igrejas
oficiais têm de assumir. Segundo
Liu Bai, da associação patriótica,
os bispos juram fidelidade à Igreja
Católica e assumem o compromisso de apoiar o sistema político
da China -"a César o que é de
César, a Deus o que é de Deus."
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