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Oposição impõe toque de recolher na Bolívia
Proibição de comércio pára departamento que concentra 60% da produção de gás
Opositores pressionam por devolução de parcela de imposto que Morales usa para bolsa-idoso; Polícia Nacional não reage a ataque
Féliz Pocoata/Folha Imagem
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Universitários e integrantes do Comitê Cívico de Tarija atacaram policiais e invadiram escritório de migrações do governo nacional
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A TARIJA (BOLÍVIA)
O departamento boliviano de
Tarija, de onde a Petrobras extrai a maior parte do gás que vai
ao Brasil, viveu ontem mais um
dia de locaute e toque de recolher organizado pela oposição
ao governo de Evo Morales. A
Petrobras afirma que a produção de gás não foi atingida.
Os protestos -liderados por
governadores e associações
aliadas- também se espalharam pelos demais departamentos governados pela oposição.
Grupos anti-Morales anunciaram o fechamento de ligações
fronteiriças com o Brasil em
Santa Cruz (no leste) e em Beni
e Pando (no norte) e a ocupação
de postos de Alfândega.
A ameaça contra aeroportos
fez as principais companhias
aéreas cancelarem os vôos para
Tarija, capital do departamento. O mesmo aconteceu em Cobija, capital de Pando, na divisa
com o Acre, onde na sexta-feira
passada um avião militar foi
atacado por opositores.
Nas ruas de Tarija, enquanto
grupos de jovens formavam as
"brigadas da paralisação" -que
faziam ronda para se certificarem de que o toque de recolher
estava sendo acatado-, muitos
exibiam muxoxos de resignação, mesmo quando concordavam com a oposição.
"Andar ainda não está proibido, então eu vim, mesmo que
tenha pouca gente na rua", diz a
ambulante Emiliana Peñalosa,
que, por pudor, tapa a boca com
dentes faltando. "Estou a favor
do presidente, que é pobre como eu", continua.
O taxista Wilson Cruz também reclama, mas apóia os
oposicionistas. "Para quem ganha por dia, é muito ruim. É a
quarta paralisação neste mês.
Se saio na rua, furam os pneus.
Mas é o que podemos fazer para
garantir nossos recursos para
nossos filhos", afirmou, na última corrida antes de começar a
paralisação, às 10h.
O eixo da disputa
Cruz refere-se à disputa entre oposição e governo pela
renda do gás, do qual Tarija
concentra 60% da produção e
possui nada menos do que 85%
das reservas. Como os outros
quatro governadores de oposição, o de Tarija se opôs à redução do repasse às regiões do
IDH, um dos impostos sobre
hidrocarbonetos, para financiar o pagamento de pensão a
todos os maiores de 60 anos.
Os argumentos contra a medida de Morales são dois: o governo está levando pelo menos
o dobro do que seria necessário
para os idosos de Tarija e, principalmente, o que garante que
La Paz não vai seguir cortando
repasses de verbas no futuro?
Os opositores tarijenhos também se opõem à nova Constituição, aprovada por constituintes governistas e pendente
de referendos.
"É uma questão de princípios. Hoje é o IDH, amanhã são
os royalties", diz a advogada Patricia Galarza, presidente interina do Comitê Cívico de Tarija,
entidade que reúne a elite política e econômica do departamento e, como nas demais regiões, conduz as principais
ações contra Morales.
"Basta de ser a carteira desta
nação", diz o estudante de
odontologia Ariel Ramírez, numa reação que não passa longe
da discussão no Brasil sobre para onde vai a renda do pré-sal.
Ramírez participou ontem
da invasão em Tarija do Escritório de Migrações do governo
nacional. Já são dezenas de
prédios ocupados no país. À
Folha o porta-voz da Polícia
Nacional, Jorge Daga, disse que
as invasões são "mal menor"
diante dos efeitos que uma confrontação poderia trazer.
Por quase uma hora, universitários e "cívicos" lançaram
pedras e explosivos de baixo
poder contra um impassível
grupo de policiais, com seus escudos, na porta da repartição.
Adiante, outro grupo de policiais observava. Armados com
barras de ferro, eles venceram a
guarda e entraram. Depois, atacaram o outro grupo, que aí lançou gás lacrimogêneo.
Do lado de fora, Jorge Chávez, líder "cívico", cabelo branco e barra de ferro na mão, comemorava: "Se precisar, vai ter
sangue. É preciso conter o comunismo e derrubar o governo
deste índio infeliz".
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