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Voto hoje não livra Bolívia do impasse
Pesquisas indicam que referendo deve manter em seus cargos o presidente Morales e principais governadores de oposição
Governo espera retomar iniciativa se dois dos seis opositores forem rejeitados; líder autonomista de Santa Cruz tem aprovação alta
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
Nem o governo de Evo Morales nem os governadores da
oposição acreditam que o referendo de hoje, que põe seus cargos à disposição da população,
será um xeque-mate na guerra
de nervos que paralisa politicamente o país desde novembro
do ano passado.
Quando disser "sim" ou
"não" a governadores, presidente e vice -numa consulta
cercada por incerteza jurídica-, a população participará de
um tira-teima das eleições de
dezembro de 2005, quando o
esquerdista Morales foi eleito
ao lado de três governadores
aliados e seis de oposição.
De lá para cá, foram feitos
pouquíssimos gestos para uma
agenda mínima comum, de resto difícil de alcançar sem concessões importantes.
O rico departamento de Santa Cruz e seus aliados da chamada "meia lua", que formam o
celeiro e a reserva energética
do país, defendem a autonomia
quase total para lidar com os
recursos num cenário de alta
do gás e dos grãos.
O governo nacional, liderando o pauperizado altiplano,
prega uma versão do nacional-desenvolvimentismo que promete um Estado mais presente,
capaz de redistribuir renda.
Uma de suas medidas foi cortar
um repasse às regiões para pagar um benefício a idosos.
Junte-se ao caldeirão a ampliação dos direitos dos indígenas, também inscrita na nova
Constituição aprovada pelos
governistas e que ainda tem de
ir a referendo para vigorar.
Relançamento
Na consulta de hoje, tanto
pesquisas quanto analistas dos
dois lados praticamente descartam que o presidente saia do
cargo. Do mesmo modo, sustentam que o principal bastião
da oposição, Santa Cruz, seguirá comandado por Rubén Costas. O departamento pecuarista
de Beni também deve manter o
governador opositor.
Ainda assim, no governo nacional a expectativa é que a
consulta moverá algumas peças
do tabuleiro da crise, de modo a
devolver a La Paz a iniciativa
política. "É a oportunidade para o governo se relançar", crê
Manuel Mercado, responsável
pelo Observatório de Gestão
Pública, ligado à Presidência. A
unidade mede o humor da população sobre as medidas oficiais e tem feito pesquisas com
consultoria do Ibope brasileiro.
A partir delas, Mercado calcula: sairão dos seus cargos os
governadores oposicionistas de
Cochambamba -que rejeita o
referendo- e o de La Paz.
"Tendo três das quatro cidades
mais importantes do país, a
correlação de poder muda",
anima-se, prevendo para Morales algo entre 59% e 64% dos
votos válidos -as pesquisas
dão 59% como teto, ainda assim mais do que teve em 2005.
Os governistas ainda alimentam esperança de ferir a "meia
lua", com a eventual derrota do
governador de Tarija. Para eles,
o cenário mais otimista é que, a
partir daí, as duas partes possam começar a negociar.
Radicalismo
De todo modo, o governo deve amargar derrotas grandes. E
embora Rubén Costas diga que
sua vocação é procurar "uma
solução pacífica", não é isso que
dizem seus aliados da União
Juvenil Cruzenha, que impediram o desembarque de Morales
em Santa Cruz nesta semana e
prometem mais.
O governo de Costas acaba de
anunciar que quer nomear funcionários locais para órgãos federais, como o Instituto de Reforma Agrária e a Alfândega. O
maior temor é que o radicalismo do leste seja respondido por
aliados radicais de Morales, cobrando do presidente o referendo que falta para aprovar a
Constituição, que os opositores
rejeitam. "Enquanto não houver vontade genuína de dialogar, nada adianta", diz o ex-presidente Carlos Mesa, que, ao renunciar em 2005, acusou as
duas pontas de não o deixarem
governar e agora quer se relançar como terceira via.
Nos bastidores, é também o
que dizem observadores internacionais já em La Paz e diplomatas envolvidos na tentativa
de promover o diálogo na Bolívia. Brasil, Argentina e Colômbia formam parte dos "países
amigos" convocados para a tarefa, fracassada até o momento.
Mesa, porém, descarta uma
secessão. "É uma questão de
viabilidade. Não há país mais
no meio do nada do que a meia-lua". No pior cenário, diz, "vai
acontecer o que sempre acontece na Bolívia: ciclos de tensão, com explosões violentas".
Difícil é saber se, depois de
tanta retórica incendiária, é
possível conter o país sempre à
beira de um conflito maior. De
passagem por Santa Cruz, a reportagem perguntou ao maleteiro José Luis Salazar, 33, por
que votaria contra Morales.
"Eles querem impor os costumes andinos. Eles querem impor o aymará e o quéchua na escola. Eu vi o livro do meu filho."
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