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Para ir de uma cidade boliviana a outra, é preciso fazer um desvio pela Argentina
DA ENVIADA A VILLAMONTES
Se o objetivo era chegar ao
coração dos protestos na Bolívia que ameaçam o envio de gás
ao Brasil, a região do Chaco, o
melhor caminho era a Argentina. Sem grande estranheza ou
indignação, "são décadas de
bloqueio na Bolívia", explicam
que para chegar a outro ponto
do país é preciso sair dele.
Deixamos Tarija pouco depois das 6h em direção a Bermejo, a cerca de 200 km, na
fronteira com a Argentina.
Cochilo para acordar sobressaltada. É o primeiro bloqueio
da viagem. Um amontoado de
pedras de 1,5 metro impede a
passagem a cinco minutos da
fronteira. Não havia manifestantes ao lado, e tomamos um
desvio. Passaríamos por outros
três bloqueios até chegar em
Bermejo. Na rádio, o líder do
Comitê Cívico local anuncia
"radicalização". A última saída
livre de Tarija está prestes a ser
fechada, ameaça.
Com medo do bloqueio na
ponte internacional, aceito
cruzar a fronteira de bote. Do
lado argentino, penso que faltam três horas de caminhos livres até Yacuíba, na Bolívia de
novo, um dos focos do conflito.
Mas, como se sabe, os bloqueios ou piquetes são tão ou
mais tradicionais na Argentina
do que na Bolívia.
Sou parada em Tartagal. Um
grupo de desempregados bloqueia a estrada com fogo em galhos de árvore. "Somos desempregados. Não temos plano social [versão de seguro-desemprego]. Então vamos bloquear
o dia inteiro para o governo
prestar atenção na gente", diz o
líder do protesto, Rui Paula, 40.
"No Brasil, está tudo bem, né?
Até a Cristina disse estar com
inveja", completa sua mulher,
Aniana.
De repente, um pequeno
conflito. Um senhor com cinta
pós-operatória insiste com os
piqueteiros que precisa passar.
Dos dois lados do bloqueio, pequenas filas de ônibus e carros.
Autorizam que ele passe, mas
ele é surdo. Sou acionada para
escrever no meu bloquinho a
informação.
O insólito da cena e a imagem
geral da Bolívia, mas não só ela,
interrompida fazem pensar na
função dos bloqueios e protestos, seus custos e ganhos sociais. Foi parando a principal
artéria da Bolívia, a que liga
Santa Cruz a La Paz, passando
por Cochabamba, que o líder
sindical Evo Morales conseguiu mais espaço para o plantio
de coca legal e se lançou na política nacional.
Foi também com protestos e
bloqueios que derrubaram dois
presidentes, que saiu a nova Lei
dos Hidrocarbonetos, de 2005,
no governo Carlos Mesa (2003-2005), que aumentaram os recursos gerados pelo setor quando foi criado o IDH, o imposto
pelo qual as regiões brigam
agora. Os empresários que chamaram por anos Morales de
"terrorista" agora dizem que
aprenderam seus métodos.
E é o próprio Mesa que repete à exaustão que na Bolívia nenhum dos lados acredita na via
institucional para resolver
qualquer coisa.
Já estou em Pocitos, cidade
argentina que faz fronteira com
Yacuíba. Uma fila enorme de
caminhões parados pelo bloqueio espera há 15 dias para entrar na Bolívia. Um punhado,
que leva carga perecível, mantém seus motores dos frigoríficos ligados.
"Não temos países sérios. Para mim, direitos humanos é
também fazer valer a lei. E deixar as pessoas trabalharem",
diz o motorista argentino Oscar García. "O pior é que para os
bolivianos esses dias sem produtos não são nada. Vão seguir
bloqueando. É uma coisa dantesca a maneira como eles vivem, andando dez quilômetros
para buscar água."
(FM)
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